Saúde: uma questão de estilo de vida?

Atualizado em 10/03/2009

Com o objetivo de responder a essa pergunta, Marcos Santos Ferreira, doutor em saúde pública pela ENSP, analisou o Agita SP, programa de promoção de atividades físicas do estado de São Paulo. Citado pela OMS como referência, o programa faz recomendações e advertências com apelo para mudanças de comportamento individual, tendo em vista a melhoria da saúde. "No bojo das suas estratégias, o Agita SP apresenta o discurso do estilo de vida como a solução para problemas de saúde pública, embora eles sejam mais complexos e mais amplos".

O estudo foi tema da tese de doutorado de Marcos, defendida na ENSP em 2008, sob orientação do pesquisador Luis David Castiel (ENSP/Fiocruz), e tema de um artigo na edição de fevereiro da revista Radis, publicada pela ENSP. O Agita SP busca promover o nível de atividade física da população e aumentar o conhecimento sobre os benefícios da vida ativa. Além disso, recomenda que ‘todo cidadão deve acumular pelo menos 30 minutos de atividade física por dia, na maior parte dos dias da semana (se possível todos), de intensidade moderada de forma contínua ou acumulada’, e, para auxiliar nessa conscientização, utiliza slogans como, “fique vivo: caminhe”, “seja inativo: a funerária agradece”, entre outros.

Embora de eficácia questionável, estratégias desse tipo vêm ganhando destaque no campo da saúde pública. Na avaliação de Marcos Ferreira, que é professor de Educação Física da Uerj, o Agita SP se enquadra numa abordagem extremamente conservadora de promoção da saúde, que usa a atividade física como uma panaceia para os problemas de saúde pública. “O Agita SP trata de um indivíduo desconectado do seu contexto social, político e econômico. É como se todos vivêssemos em uma sociedade homogênea, com condições ótimas para a adoção de certos comportamentos, entre eles a prática regular de atividade física. O programa desconsidera a dificuldade que boa parcela da população tem para se engajar nessa prática”.

Ainda de acordo com o professor, o discurso usado pelo Agita SP é de que o indivíduo não precisa fazer exercícios. Na verdade, segundo ele, há a distinção entre o exercício físico - algo mais estruturado, planejado – e a atividade física - todo movimento feito pelo indivíduo que permite um gasto energético. “O Agita SP entra com o discurso da atividade física, apresentando-a como algo que pode ser praticado por todo mundo. Faz, inclusive, uma afirmação que denota bem a forma como o programa desconsidera todo o contexto social, político e econômico, colocando toda a responsabilidade no indivíduo. Um dos seus manuais afirma que ‘os idosos devem aproveitar as filas dos bancos para fortalecer a musculatura das pernas e do abdome’. Ou seja, a existência de fila nos bancos é apresentada como algo natural. Como se fosse normal existir filas para os idosos, porque isso vai te fazer mais saudável. O programa vai nessa linha, desconsiderando todo o contexto social”.

Para Marcos, este é o discurso que está sendo difundido:o indivíduo é senhor de si próprio, capaz de mudar sua situação de vida, independentemente de qual seja sua condição. “Não se pode negar o papel do indivíduo na tomada de decisões, inclusive no que diz respeito à sua saúde. Por outro lado, não é possível afirmar que repousa exclusivamente sobre seus ombros toda a responsabilidade pela adoção de certos comportamentos. Trata-se de uma relação entre indivíduo e sociedade/coletivo. Quando o foco é grande no indivíduo, alguns autores afirmam que há a chamada ‘culpabilização da vítima”.

Para exemplificar, citou uma notícia veiculada em um jornal carioca. O texto revela dados do Ministério da Saúde de que 120 mil brasileiros são atingidos pelo câncer de pele por ano, e cerca de 70% da população não se protege dos efeitos nocivos do sol. No entanto, para Marcos, não é mencionado, por exemplo, os efeitos do desmatamento e da emissão de poluentes no buraco na camada de ozônio — em geral, resultados de políticas públicas ineficientes em fazer valer os interesses da maioria da população. “Fica parecendo que o câncer de pele decorre única e exclusivamente da falta de cuidado individual.



Imagem capa: www.alcatreinamento.com.br
Arte: Radis