Liminar suspende avaliação em andamento de programas de pós-graduação e preocupa comunidade acadêmica
Atualizado em 06/10/2021
Por: Danielle Monteiro
Uma recente medida adotada pela Justiça Federal é motivo de preocupações para as instituições de ensino do país. A ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal (MPF), determinou à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que suspenda imediatamente a avaliação dos programas de pós-graduação em andamento. O MPF questiona a utilização da ficha de avaliação atual e põe em risco todo o processo estabelecido e pactuado com as coordenações dos programas. A cada quatro anos a Capes utiliza um modelo multidimensional de avaliação dos cursos de pós-graduação em todo o Brasil. Dependendo da nota recebida, cursos podem ser cancelados e instituições de ensino, que tiveram cursos rebaixados, podem ser descredenciadas. A avaliação também serve como base para a distribuição de recursos e de bolsas destinadas ao programa e incentivos à pesquisa, ofertados pelo governo federal.
A comunidade acadêmica, no entanto, acredita que a ação civil pública pode trazer prejuízos para o Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG). Segundo a vice-diretora de Ensino da ENSP, Enirtes Caetano, a liminar ameaça o SNPG e coloca em risco o modelo robusto de avaliação, reconhecido nacional e internacionalmente. “Esse é um momento de grande apreensão, já que a possibilidade de retorno aos parâmetros anteriores de avaliação coloca em risco a qualidade da avaliação quadrienal 2017-2020”, explica.
A vice-diretora conta que, antes do anúncio da liminar, a presidência da Capes publicou três Portarias com mudanças no sistema de avaliação que já geraram preocupação para a comunidade acadêmica. Uma delas foi a Portaria N. 146, de 15 de setembro de 2021, cujo artigo 3º estabelece que “todas as decisões de convalidação ou de negativa de convalidação dos atos referidos no caput devem determinar a intimação dos interessados, possibilitando-lhes a interposição de recurso”. Enirtes explica que tal medida permite, por exemplo, que todas as propostas de cursos novos, negadas nas Áreas de Avaliação e no Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (CTC-ES), sendo objeto de reconsideração ou não, poderão interpor recurso à presidência da Capes, a qual passará a ter poder de decisão sobre tais recursos. “Uma grande quantidade de instituições de ensino superior (IES) depende da aprovação de programas de pós-graduação para obter o status de Universidade, o que poderá definir sérios conflitos de interesse”, alerta a vice-diretora.
Já a Portaria N. 145, de 10 de setembro de 2021 (Qualis), apresenta diversos aspectos não discutidos nas Áreas de Avaliação e que não foram, em nenhum momento, propostos pelo CTC-ES, segundo Enirtes. O Qualis Capes é um sistema que faz a classificação da produção científica dos programas de pós-graduação, no que se refere aos artigos publicados em periódicos, revistas, anais e livros científicos. Segundo a vice-diretora, o artigo 9º da Portaria consiste em violação das boas práticas editoriais, já que “possui baixa aplicabilidade”. O artigo 19º também traz entraves, acredita Enirtes, pois permite que Áreas usem classificações de periódicos reconhecidas em documentos anteriores da Capes. “O Qualis único proposto na Portaria segue uma organização de oito estratos não compatível com os estratos utilizados anteriormente”, observa. A situação de insegurança e de falta de isonomia entre as Áreas de Avaliação pode acarretar em problemas, segundo a vice-diretora. Já o artigo 21º, para Enirtes, rejeita transparência no processo de avaliação no que diz respeito ao uso do Qualis periódicos.
A Portaria N. 122, de 05 de agosto de 2021 (Regulamento da Quadrienal), também preocupa a comunidade acadêmica. O artigo 34º prevê que “para cada programa avaliado, serão designados dois Relatores, mediante sorteio eletrônico aleatório conduzido pela Cecol (Coordenação dos Órgãos Colegiados)”. Existem dois métodos básicos de avaliação: por metas estabelecidas a priori e por avaliação comparativa de resultados entre programas de pós-graduação (metodologia empregue nas últimas décadas pela Capes). "Cada relator terá que, eventualmente, ler e apreender os documentos e relatórios das outras 48 áreas para efetuar seu relato”, atenta Enirtes.
Diante das mudanças determinadas pela liminar, a vice-diretora adianta que a ENSP está pleiteando, por meio de instituições e entidades representativas, a retomada imediata do processo de avaliação Quadrienal 2021. “A Escola, por meio da sua direção e das coordenações dos seis programas de pós-graduação, tem se articulado com vários fóruns e instâncias colegiadas, dentre os quais o Fórum de Coordenadores dos Cursos de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Precisamos caminhar juntos em defesa de nossas instâncias democráticas e do Sistema Nacional de Avaliação da Pós-Graduação”, conclui.
Em nota, a Fiocruz, instituição de ciência e tecnologia em saúde responsável por mais de 40 programas de mestrado e doutorado em diferentes áreas de conhecimento ofertados em todas as regiões do país, reconhece a relevância da avaliação dos programas para o fortalecimento da pós-graduação brasileira e endossa a necessidade de respeito às pactuações nas instâncias colegiadas, em consonância com posicionamentos de outras organizações de ciência e tecnologia, tais como Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Fórum Nacional de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-graduação das Instituições de Ensino Superior Brasileiras (Foprop).
Confira aqui a íntegra da liminar.