Aula inaugural da ENSP traz debate sobre insegurança alimentar no Brasil

Atualizado em 19/04/2022

Com o tema Panorama e perspectivas para a segurança e soberania alimentar no Brasil: Por que voltamos ao mapa da fome?, foi realizada, no dia 13 de abril, a inaugural da ENSP. O evento contou com a palestra do professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e coordenador da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), Renato Maluf, sobre a insegurança alimentar no Brasil.

Na mesa de abertura da aula inaugural, o diretor da ENSP, Marco Menezes, afirmou que apesar de a pandemia ainda estar em curso, o momento é de retomada das atividades presenciais graças ao SUS, à ciência e ao aumento da cobertura vacinal contra a Covid-19. Reforçou também que a Escola está se preparando para o retorno de forma segura por meio do Conviver – Plano Institucional de Retorno Seguro às Atividades Presenciais da ENSP – e alinhada ao Plano de Convivência da Fiocruz.

Ao mencionar a escolha do tema para a aula inaugural, Marco admitiu que a Covid-19, somada a outras crises econômicas, sanitárias e ambientais provocou e aprofundou a desigualdade no mundo, sobretudo nas populações mais vulnerabilizadas. “O campo da educação e da saúde foram muito atingidos não só pela pandemia, mas pelos retrocessos que permeiam hoje a nossa sociedade. A Fiocruz anunciou um programa muito importante para a permanência dos estudantes na pós-graduação, mas há um grande contraste com o que acontece no país, justamente porque acabamos de nos deparar com cortes no repasse de verbas para as universidades”, lamentou.

O diretor alertou para o fato de vivermos uma sindemia global (um conjunto de pandemias coexistindo no mesmo tempo e espaço, interagindo entre si e tendo como determinantes fatores sociais, culturais, históricos e políticos comuns) e associou essa condição aos graves problemas de obesidade, desnutrição, fome e as mudanças climáticas que acometem o mundo.

No final de sua fala, recordou a campanha da Fome liderada pelo sociólogo Herbert de Souza há três décadas e lembrou que a Fiocruz, por intermédio do último Congresso Interno, e o Programa Vivo da ENSP colocam propostas de enfrentamento das crises endêmicas e das desigualdades para a sociedade. “Nos colocamos para a sociedade com propostas. Um grande desafio é discutir um novo pacto sociossanitário, em que o olhar para a determinação socioambiental do processo saúde-doença seja um ponto central, em especial neste ano eleitoral”.

A coordenadora geral de Educação da Vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristina Guilam, destacou a escolha da ENSP “por um debate tão triste quanto necessário” para a aula inaugural. Ela anunciou o lançamento do Edital Fiocruz de Auxílio à Permanência de Estudantes de Pós-graduação de Baixa Renda, cuja inscrição teve início na segunda-feira (18/4), e permitirá que alunos do stricto sensu em situação de vulnerabilidade social deem continuidade à formação acadêmica. “Precisamos destacar a importância que a instituição dá a essas situações de vulnerabilidade e, em nome do Marco Menezes, gostaria de agradecer ao CD Fiocruz pela aprovação do auxílio. Essa é a nossa forma de saudar e receber os novos alunos: dando um passo à frente para a sua permanência no stricto sensu e a possibilidade de conclusão daqueles que vivem em situação de vulnerabilidade”, reforçou. Por fim, citou Paulinho da Viola “Venho reabrir as janelas da vida e cantar como jamais cantei esta felicidade ainda. Vamos conviver! Um bom ano para todos nos”.

A vice-diretora de Ensino da ENSP, Enirtes Caetano Prates Melo, destacou o esforço da direção para o retorno seguro dos trabalhadores e alunos e lembrou que a ENSP segue oferecendo aulas de forma presencial, híbrida e remota. Além disso, celebrou o retorno dos Cursos de Inverno da ENSP em julho de 2022, após interrupção de dois anos por causa da pandemia de Covid-19.

“Isso mostra a necessária presença da nossa Escola em uma missão institucional de extrema importância da Fiocruz, a Educação. É um momento de emoção e muito trabalho, pois não deixamos de realizar nossas atividades. Uma casa sem alunos, é uma casa sem vida. Esta é uma casa que respeita o coletivo, tem grande apreço pelos seus alunos e pelo trabalho dos seus professores. Será um ano de grandes desafios, mas optamos por Conviver”, afirmou a vice-diretora citando o Plano Institucional de Retorno Seguro às Atividades Presenciais da ENSP.

Representando o Fórum dos Estudantes, Jairly Guimarães Simplicio enalteceu o importante papel da Fiocruz na sua formação profissional. Ele, que é doutorando do Programa de Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS), saudou a chegada dos novos colegas e citou o Fórum como um espaço privilegiado de diálogo, trocas, apoio e interlocução com a direção da Unidade. “A Fiocruz é uma casa que acolherá vocês com muita alegria. É um lugar de enriquecimento e que lhes dará condições de devolver para a sociedade o melhor que esse país precisa”.


Insegurança alimentar no Brasil

Em seguida, o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e coordenador da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), Renato Maluf, falou sobre o retorno do Brasil ao mapa mundial da fome e a situação de insegurança alimentar para mais da metade da população brasileira.

De acordo com dados do IBGE, apresentados pelo professor, a segurança alimentar no Brasil caiu de 77,1%, em 2013, para 44,8%, em 2020. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil mostrou que, no país, em pleno contexto pandêmico, aproximadamente 117 milhões de brasileiros (ou 55,2% da população) conviviam com algum grau de insegurança alimentar. Destes, 19 milhões (ou 9% da população brasileira) se encontravam em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, conviviam com a fome. O Inquérito mostrou, ainda, as diferenças regionais e relacionadas à condição do domicílio (rural ou urbana, com agravamento da situação nos domicílios rurais, particularmente aqueles situados em áreas com escassez de água).

Os determinantes dessa reversão de tendência, segundo Maluf, são econômicos e políticos. “É bastante evidente que houve um retrocesso do investimento privado desde 2011, além de uma reversão do mercado internacional e o golpe parlamentar de 2016. É nesse contexto econômico e político, em um país profundamente desigual, que se começa a construir um desemprego crescente, um retrocesso de direitos sociais e uma precarização do trabalho”, observou. Segundo Maluf, o Bolsa Família, o efeito da valorização do salário mínimo, o aumento do emprego formal e toda a repercussão do salário mínimo melhorado em rendimentos como a Previdência Social, além de programas para a agricultura familiar, programas escolares e que levaram água à região semiárida, assim como programas para a extensão da energia elétrica e alimentação saudável, entre uma série de outros fatores, desempenharam importância fundamental para a saída do mapa da fome no Brasil. 

Para Maluf, o desmonte de políticas públicas foi um dos fatores mais associados à queda da segurança alimentar no país. “Houve a extinção de programas, alguns que foram mantidos, porém redesenhados, e outros mantidos, mas com orçamentos reduzidos. Não há dúvidas de que esse processo foi radicalizado, como o fechamento do Consea, a paralização da Câmara Interministerial e a interrupção de vários programas”, alertou. 

Maluf acredita que a reconstrução democrática deve ser a palavra-chave para se pensar em soluções para a questão da insegurança alimentar e de outros problemas enfrentados atualmente pelo país. “O contexto pós ditadura foi uma renovação para o Movimento Sanitarista, assim como para vários outros. Somos produtos da redemocratização do país e dependemos da democracia para exercermos plenamente o nosso papel. Portanto, a reconstrução democrática é um requisito para qualquer tema que deva ser discutido, em particular a reconstituição de espaços de participação social nas políticas públicas”, defendeu.

A conexão entre alimentos, direitos e cidadania também é outro fator fundamental para o alcance da segurança alimentar, segundo o professor. Nesse sentido, para ele, a defesa de uma renda básica, cidadã, e dos instrumentos de proteção social, assim como a reconstrução de direitos sociais precisam estar em pauta. 

Políticas públicas que combinem a atuação em face das emergências, com ações intersetoriais integradas que construam novas possibilidades, também precisam ser pensadas, segundo Maluf, para o enfrentamento da insegurança alimentar no país. “No caso da atuação em face das emergências, o avanço da experiência com o Bolsa Família, entre outros, é preciso sermos capazes de relacionar mais diretamente a transferência de renda com o acesso à alimentação adequada e saudável”, acredita. 

O abastecimento alimentar, assim como a regulação pública versus regulação privada e ações descentralizadas no campo do abastecimento alimentar, para Maluf, também merecem destaque ao se pensar em soluções para o combate à fome no país. “O abastecimento alimentar no Brasil é quase essencialmente objeto de regulação privada”, atentou. A entrada de universidades e institutos de pesquisas na disputa de narrativas é também central para a solução do problema, conforme defendeu o professor.


Assista, abaixo, à transmissão completa da aula inaugural da ENSP: