Educação interprofissional em saúde: experiência brasileira desponta como referência internacional

Atualizado em 21/12/2022

Por Barbara Souza

O esforço brasileiro em tornar a formação em saúde pública cada vez mais interprofissional tem sido considerado uma referência para outros países latino-americanos. Só em novembro deste ano, a analista sênior de Gestão em Saúde da ENSP/Fiocruz e coordenadora da Secretaria Técnica e Executiva da Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública (RedEscola), Rosa Souza, compartilhou as experiências nacionais em eventos no Peru e na Colômbia. Por falta de agenda, no Peru, a apresentação na IV Jornada Internacional de Salud Pública 2022, organizada pela Faculdade de Medicina San Fernando, da Universidad Mayor de San Marcos (UNMSM), foi remota, no dia 29. Já na Colômbia, a participação foi presencial, entre os dias 10 e 15 de novembro.

Representante do Brasil, país convidado para evento técnico-científico, a professora Rosa Souza participou da I Jornada de Educação Interprofissional na Universidade de Santander, em Bucaramanga, na Colômbia. “A missão institucional, integrada por reuniões com distintos grupos profissionais, culminou nessa jornada. Tudo tomou proporções maiores do que eu poderia imaginar. Não tivemos a participação apenas dos docentes e dos coordenadores, mas também dos alunos de medicina, enfermagem, fisioterapia e outros. Eles apresentaram suas experiências no território, onde atuam acompanhados dos preceptores articulando a interpofissionalidade uns com os outros. É muito vivo e visível que estão aprendendo juntos para trabalhar juntos. Fiquei muito surpresa com o trabalho que desenvolvem”, afirma Rosa. 

   Rosa Souza ao lado de Piedad Cecilia Serpa Pérez e Williams Reys Serpa, ambos da Universidad de Santander

A coordenadora da Secretaria Técnica e Executiva da RedEscola foi convidada devido ao reconhecido sucesso do projeto ‘Nova Formação em Saúde Pública na Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública: uma abordagem interprofissional’, uma parceria entre a ENSP/Fiocruz e a Secretaria de Gesta?o do Trabalho e da Educac?a?o na Sau?de (SGETS), do Ministério da Saúde, com coordenac?a?o nacional da Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública (RedEscola), que vem sendo realizado desde 2018. Na visita à Universidade de Santander, na Colômbia, ela foi recebida pela coordenadora do Departamento de Gestão Clínica e Seguridade do Paciente Estratégia Educação Interprofissional, Piedad Cecilia Serpa Pérez, e pelo Decano da Faculdade de Ciencias Médicas e da Saúde e Diretor da Escola de Medicina, Williams Reys Serpa (fotos abaixo).

O projeto que despertou o interesse da Colômbia e do Peru já formou 1068 sanitaristas em 26 instituições dos 26 estados brasileiros. “Foram 31 turmas, envolvemos mais de 400 municípios e quase 500 docentes. Trata-se de uma experiência de grande porte que coloca a RedEscola num protagonimo e papel de liderança nas iniciativas de introdução e aprofundamento da educação interprofissional na formação de sanitaristas, na pós-graduação, no Brasil. Esta experiência tem despertado interesse de outros países. Nós também já fizemos apresentações em eventos em Cuba, México, Argentina e Uruguai”, destacou Rosa. 

A coordenadora da Estratégia de Educação Interprofissional da UDES e da I Jornada de Educação Interprofissional, Piedad C. Serpa Perez, afirmou que a visita da professora Rosa Souza “nos permitiu conhecer os importantes resultados e recomendações do bem sucedido trabalho que a RedEscola vem desenvolvendo”. Ainda de acordo com ela, trata-se portanto de “uma valiosa contribuição e insumo para que a Universidade continue avançando na transformação curricular interprofissional, envolvendo alunos e professores da graduação e da pós-graduação, visando promover a atenção em saúde de qualidade a indivíduos, famílias e comunidades, bem como propiciando aprendizagem e experiências positivas entre os profissionais, não só na área acadêmica, mas também no mundo do trabalho”. Ao agradecer pela visita, Piedad afirmou que foi apenas o começo das iniciativas que ainda poderão ser realizadas em conjunto.

A participação da coordenadora da Secretaria Técnica e Executiva da RedEscola, Rosa Souza, também foi celebrada pelo membro do Comitê Organizados da IV Jornada Internacional de Saúde Publica 2022, no Peru, Gustavo Franco. "Significou um valioso aporte na conceitualização e operação de um processo relevante pelo seu amplo conteúdo e potente desenvolvimento. Os exitosos resultados obtidos no projeto apresentado representam um exemplo a seguir em nosso país, proporcionando novos espaços de encontro e cooperação para a implementação de um processo similar", disse em tom de agradecimento e de expectativa pela continuidade da parceria pelo desenvolvimento da Educação Interprofissional em sua universidade e em seu país.

Questionada sobre como avalia o intercâmbio regional sul-americano, Rosa Souza aproveitou para lembrar que há também muito a ser aprendido com os colegas dos países vizinhos e que este é um bom momento, com o novo governo, para dinamizar as atividades de cooperação e estreitar os laços com os países latino-americanos. “Enquanto ENSP, nós integramos e sediamos a Secretaria Executiva da Red de Escuelas de Salud Publica de América Latina. É muito importante disseminar nossas experiências, que se destacam por terem grande capilaridade, com as instituições formadoras dos países que fazem parte dessa rede”, afirmou Rosa Souza.

Desafios

Há importantes iniciativas do Ministério da Saúde iniciadas no ano de 2017 com a implementação da EIP na Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS). Rosa Souza destacou o plano de ação Brasil (2019 -2020) e neste escopo, a Oferta de curso de especialização em saúde pública, com ênfase na EIP, onde a experiência da RedEscola se ancora. “Embora se observe um avanço significativo, ainda precisamos aprofundar a discussão e construir evidências sobre a potência dessa estratégia”, pondera Rosa. A professora afirmou que a RedEscola vem sendo considerada uma liderança e uma referência não só nacional, como também para outros países do continente e reforçou a missão do Sistema Único de Saúde e sua relação com a atuação colaborativa dos seus trabalhadores: “o SUS é interprofissional e a formação de profissionais para a prática colaborativa é essencial para a integralidade do cuidado, princípio basilar do sistema”. 

Um dos entraves que precisam ser superados é a característica uniprofissional das formações em geral e, como reafirma a professora Rosa Souza, é fundamental que cada trabalhador conheça as realidades das outras profissões, pois existem competências específicas, mas também há o que as une, como as competências comuns e colaborativas. “Na Universidade de Santander, eu vi na prática acontecendo. Tem a teoria, sobre a qual temos que avançar e fortalecer, mas a tradução desse aprendizado teórico precisa ser a prática colaborativa. Foi emocionante e empolgante ver a maneira como os jovens estudantes estavam entusiasmados e motivados pelas estratégias pedagógicas adotadas”. 

Ainda em relação aos desafios, Rosa cita a falta de comunicação e integração entre as equipes. “Comunicação é a palavra-chave. Temos uma resistência que é consequência dessa educação uniprofissional. Precisamos de uma mudança de cultura, que não acontece do dia para noite, mas sim uma construção”, explicou acrescentando que a escassez da formação docente também é um problema: “é necessário formar os formadores”. Justamente com foco na formação, buscou-se aproximar docentes e coordenadores dos cursos dos marcos teóricos-conceituais e metodológicos da EIP, mediante realização de oficinas de sensibilização e recomendação do curso introdutório Educação Interprofissional em Saúde, na plataforma AVASUS, resultante de parceria com a Organização Panamericana da Saúde (Opas) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Até o momento, 526 pessoas concluíram esse processo formativo, entre docentes, coordenadores e estudantes, envolvidos nos cursos de especialização em saúde pública com enfoque na educação interprofissional. 

Produção de evidência e de ciência

“É preciso criar evidências científicas de que realmente a EIP é uma estratégia transformadora, capaz de formar profissionais aptos para a atuação em equipe, para o trabalho colaborativo. Por isso, temos nos dedicado à pesquisa ‘Educação interprofissional: construindo evidências a partir da nova formação em Saúde Pública na Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública’. É uma investigação que envolve os egressos e também as coordenações dos cursos em todas as regiões brasileiras”, explicou Rosa Souza. A professora afirmou que o estudo envolve mais de 300 profissionais egressos dos cursos ligados à rede pelo país, além dos coordenadores. O objetivo é avaliar os cursos na pespectiva desses informantes, ou seja, conhecer a percepção deles sobre as consequências que a formação tem nas compentências de cada um. 

Como próximo passo, o projeto ‘Nova Formação em Saúde Pública na Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública: uma abordagem interprofissional’ prevê publicar em 2023 o e-book “Experiências da prática de educação interprofissional na RedEscola: compartilhando lições e aprendizados”, que está em fase de edição. Em breve, mais informações! Para conferir as publicações disponíveis, acesse rededeescolas.ensp.fiocruz.br/publicacoes.