Mestrado Profissional em APS debate racionalidades dos afetos nos territórios da democracia em aula inaugural
Atualizado em 09/03/2023
Para celebrar o início da 6ª turma do Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde com ênfase na Estratégia de Saúde da Família, a aula inaugural do curso contou com a participação do filósofo, escritor e músico brasileiro nascido no Chile, Vladimir Safatle. Professor titular da cadeira de Teoria das Ciências Humanas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), ele trouxe para a apresentação o tema "Racionalidade dos Afetos nos Territórios da Democracia". A aula contou com a participação dos alunos da turma, além das coordenadoras do curso, Elyne Engstron e Adriana Coser, da vice-diretora de Ensino da ENSP, Enirtes Caetano, como debatedora da atividade, e do superintendente da Atenção Primária à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Renato Cony. A palestra está disponível no canal da ENSP no Youtube. Confira!
Racionalidade dos Afetos nos Territórios da Democracia
A partir do tema proposto para aula, o escritor iniciou sua apresentação com a frase do Filósofo francês e doutor em Medicina, Georges Canguilhem, "O que caracteriza a saúde é a capacidade de ultrapassar a norma que define o normal. A possibilidade de tolerar infrações, infrações a norma habitual, e de instruir novas normas em situações novas". A consciência entre normatividade vital e normatividade social foi explorada pelo professor da USP para refletir como um conceito de saúde como o de Canguilhem, diz respeito não somente a relação dos organismos entre si, e dos viventes, mas também, sobre aquilo que os viventes são capazes de produzir enquanto experiência coletiva.
A partir desta discussão, Safatle destacou que há uma maneira de se pensar as relações entre sociedade e biologia, partindo do princípio que os sujeitos em sociedade produzem algo próximo de uma espécie de corpo social. "Se a sociedade é um corpo e alguma coisa acontece em uma das partes deste corpo, o corpo inteiro sente. Ou seja, há uma espécie de principio fundamental da solidariedade. É impossível ao corpo ser indiferente ao destino de umas da suas partes", explicou ele.
O escritor lembrou que a concepção de sociedade - como um paradigma - serve como referência para políticas. "Muitas vezes, o que há de mais real numa sociedade são suas ideias. Temos a tendência de vincular as ideias às abstrações, mas acredito que seja o inverso disso. Elas são o que há de mais real, pois são motores de desenvolvimento de práticas, ou seja, motores de desenvolvimento de dispositivos de intervenção, pois não há nenhuma intervenção social que não seja guiada por valores, por mais que esses valores possam servir somente de horizonte normativo (justificativa). Quando esse paradigma da ideia do que significa uma sociedade emerge, emerge com ele toda uma série de práticas, emerge com ele toda uma política", pontuou Vladimir.
De acordo com o filósofo, há uma relação entre metáforas sociais e a compreensão da vida social que é indissociável e estará sempre presente. "Uma sociedade não é somente um sistema de regras, de normas e de leis. É possível também compreender uma sociedade como um conjunto de afetos. Isso significa que, se quisermos entender como uma sociedade se constrói enquanto tal, como ela compõe sua coesão, como ela se organiza, é necessário se perguntar quais são os afetos que circulam de forma hegemônica no seu interior, pois o afeto é um dispositivo relacional - um modo de relação. O afeto significa que os corpos estão em relação. Se uma sociedade é um circuito de afetos, isso significa, entre outras coisas, que as relações vem antes dos elementos", descreveu.
Voltando a frase de Canguilhem citada no inicio da palestra, o professor da USP destacou que essa colocação parte da ideia da doença. Segundo ele, um organismo totalmente adaptado ao seu meio é um organismo doente porque o meio está em continua mutação, em continuo desenvolvimento. "Se temos um organismo totalmente fixado em um momento do meio, quando esse momento se dissolve, ele não consegue mais reagir e adoece. Neste sentido, saúde é ser capaz de suportar as infidelidades ao meio, ou seja, de infringir normas, de quebrar normas momentâneas para ter uma relação com a instabilidade do meio, sendo capaz de agir no interior de um meio instável", finalizou.
Confira, abaixo, a palestra na íntegra!