Aluna do interior do Piauí conclui mestrado e ingressa em 1º lugar no doutorado da ENSP

Atualizado em 30/08/2023

Por Barbara Souza

História de vida de Ramila é inspiração para futuros alunos da Escola, que inicia mais uma seleção para os programas Stricto Sensu no próximo dia 4 de setembro

"Eu não quero que minha história seja usada em discursos meritocráticos, que são extremamente excludentes e elitistas. Eu acredito que é preciso facilitar e abrir ainda mais as portas do acesso à educação, para que as pessoas não precisem enfrentar as dificuldades que eu enfrentei". Esta é a mensagem que Ramila Alencar faz questão de passar. Vinda do interior do Piauí, a bióloga filha de agricultores analfabetos que se destacou ao ter sido aprovada no mestrado em Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP/Fiocruz em 2021 vai seguir com sua formação na Escola. Aos 26 anos, ela foi aprovada em primeiro lugar no doutorado do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia em Saúde Pública. Quando defendeu sua dissertação, em 24 de julho, a continuidade de seus estudos na Escola já estava garantida.


Ramila vai avançar na pesquisa que, através do aprendizado de máquina, cria modelos preditivos de áreas de risco e identifica fatores associados à incidência de dengue num determinado território. Para a dissertação de mestrado, a área estudada foi o estado do Piauí, onde nasceu. Após explicar como desenvolveu a pesquisa, Ramila destacou que, no doutorado, pretende ir além. "Usamos fatores ambientais, demográficos e climáticos para criar modelos preditivos para dengue no Piauí. Junto com a aprendizagem de máquina, que é uma vertente da Inteligência Artificial, também usamos um pouco de epidemiologia espacial. Meu projeto de doutorado é continuar esse trabalho. O que eu almejo é ampliar o trabalho para outras arboviroses transmitidas pelo Aedes Aegypti e ampliar a abrangência geográfica da pesquisa", explicou. 

"Também com essa abordagem metodológica de aprendizagem de máquina, com um algoritmo, conseguimos diagnosticar os atributos que mais ajudam a entender os padrões de incidência da arbovirose num determinado espaço. É possível, então, saber quais as variáveis que melhor se relacionam com quadros de baixa, média e alta incidência daquela doença", detalhou Ramila. No mestrado, ela foi orientada pela pesquisadora da ENSP Andréa Sobral e pelo cientista da computação, servidor da Fiocruz, Eduardo Krempser. No novo programa, seu orientador será o pesquisador em saúde pública do Programa de Computação Científica (PROCC/Fiocruz) Leonardo Bastos. 

"Estamos iniciando mais um processo seletivo na ENSP e a brilhante trajetória de vida e acadêmica de Ramila ilustra o potencial da formação qualificada e de transformação social que a educação possibilita. Todos os programas Stricto Sensu da Escola têm como eixo a construção e consolidação do Sistema Único de Saúde, o enfrentamento das desigualdades sociais, a defesa dos direitos e a promoção da diversidade e da equidade social", destacou a a coordenadora do Stricto Sensu, da Vice-Direção de Ensino da Ensp, Joviana Avanci. 


A crítica à meritocracia que Ramila faz demonstra que sua formação também tem bases sociais fortes. "É uma ignorância social muito grande quem cita minha trajetória para ir contra ações afirmativas ou políticas que garantem a permanência de jovens como eu em instituições de ensino e pesquisa. Eu já li comentários de pessoas que me usaram como exemplo em discursos contra cotas, por exemplo, afirmando que elas não são necessárias, que basta estudar. Só que não é assim, pois histórias como a minha são fora da curva, esporádicas. Além disso, é extremamente injusto que milhares de jovens no Brasil tenham que lutar e percorrer trajetos as vezes até mais difíceis do que os que eu percorri para conseguir concluir a Educação Básica, enquanto outros têm todas as oportunidades e recursos. Por isso, esse discurso não se aplica”", afirmou a bióloga. 

Ramila estudou numa escola municipal quando criança em sua cidade natal, Pio IX, a cerca de 500 km da capital do estado, Teresina. Depois, precisou se deslocar diariamente num "pau-de-arara" para cursar o Ensino Médio. O transporte irregular, frequentemente usado no nordeste brasileiro e que oferece pouca segurança, era a única forma de chegar ao colégio. "Corríamos muitos riscos, enfrentando sol, chuva. E, no período do inverno, atravessávamos lama e rios cheios. Eu saía às 11h da manhã e chegava em casa às 8h da noite, percorrendo quase 50 km para ir e voltar. Era muito cansativo e perigoso. Muitos desistiam, só aguentava mesmo quem realmente queria estudar", contou.

A doutoranda destaca que, na universidade, as bolsas que conseguiu durante a graduação foram fundamentais para que ela conseguisse se formar com sucesso. No mestrado, também teve bolsa. No doutorado, Ramila continua sendo recebendo pela Capes, o que garante sua permanência na ENSP. 

Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Piauí, no campus de Picos (PI), Ramila recebeu o título de Láurea Universitária pelo seu rendimento destacado nas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Sua caminhada como pesquisadora se iniciou quando se tornou membro do grupo de pesquisa LAPEDONE - Laboratório de Parasitologia, Ecologia e Doenças Negligenciadas da UFPI, como aluna de Iniciação Científica (PIBIC/CNPQ). Ramila fez Especialização em Epidemiologia e Vigilância em Saúde pelo Centro Universitário UNILEÃO.