“Resistir e lutar é sempre o caminho”: aula inaugural aprofunda debate sobre trabalho e educação em saúde

Atualizado em 06/03/2024


Excesso de trabalho, condições precárias, relações instáveis, salários baixos, acúmulo de empregos, esgotamento profissional, altos níveis de estresse, afastamentos por licença médica, baixo investimento em qualificação. Numerosos e preocupantes, os problemas enfrentados pelos trabalhadores da área da saúde no Brasil foram listados pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde, Isabela Cardoso de Matos Pinto na aula inaugural da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), ministrada nesta quarta-feira (6/3). A secretária destacou que trabalho e educação são indissociáveis, que é preciso “fazer o SUS acontecer com o respeito que trabalhadoras e trabalhadores merecem”. A palestra “Os desafios das Políticas de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde” está disponível na íntegra no canal da ENSP no Youtube.


Após caracterizar a Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde como uma área interdisciplinar, interprofissional e intersetorial, estruturada por distintos saberes e práticas, Isabela Pinto afirmou que o panorama atual deve ser analisado do ponto de vista de diferentes dimensões de análise: política, econômica, gestora, dialógica, internacional e/ou global. “Esse conjunto de questões se ancora em cenários de crises globais que produzem um efeito na gestão do trabalho. O mundo pós-pandemia, a intensificação da mudança climática, a aparição de guerras, genocídios… Tudo isso reflete no trabalhador e na trabalhadora da saúde”, explicou a secretária, que também é professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ela acrescentou ainda que aspectos socioeconômicos, de gênero, classe, raça, etnia e situação migratória, por exemplo, são somados e impactam ainda mais esta realidade.


A secretária demonstrou com dados uma das questões mais problemáticas do universo do trabalho na saúde, o chamado ‘multiemprego’. No país, há cerca de 3 milhões de trabalhadores da saúde em exercício, ao passo que 4,3 milhões de postos de trabalho estão ocupados no setor. Isabela afirmou que “os trabalhadores ocupam, por necessidade, mais de um cargo com diferentes vínculos” e salientou que se trata de “um desafio que está dado”. Ainda conforme as estatísticas do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), 75% da mão de obra da saúde são mulheres, 47% possuem curso superior e a faixa etária média para ambos os gêneros é de 40 a 44 anos. 

Sempre preocupada em manter o foco do debate na conjuntura contemporânea, apesar de a área de trabalho e educação em saúde ter desafios profundos que perduram há décadas, Isabela Pinto chamou a atenção para fatores recentes, como a pandemia de Covid-19 e a transformação digital. “Há um reconhecimento das condições de trabalho impróprias enfrentadas cotidianamente pelos profissionais de saúde. Na pandemia, elas foram acirradas e se tornaram mais visíveis”, comentou. A secretária da SGTES fez um alerta sobre a necessidade de aproveitar o aprendizado da pandemia. “Não podemos perder a janela de oportunidade de ter um governo que encara como prioridade a questão da trabalhadora e do trabalhador. E não podemos perder o momento em que a sociedade está sensibilizada pelo que viveu na pandemia e também entendeu a importância da trabalhadora e do trabalhador do SUS. Vamos enfrentar outras emergências, como a dengue que está aí. Então, a importância de investimentos tem que ficar muito claro para os nossos gestores. É preciso entender que as ações da gestão de trabalho e da educação são investimento e não gasto”, defendeu. 

Isabela Pinto também aproveitou a plateia que encheu o auditório da ENSP para falar sobre a 4ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (CNGTES), que está com as etapas municipais e regionais em andamento. A etapa nacional será de 10 a 13 de dezembro, com o tema ‘Democracia, Trabalho e Educação na Saúde para o Desenvolvimento: Gente que faz o SUS acontecer’. A 4ª CNGTES é realizada após uma série de ações que desrespeitaram os direitos trabalhistas e promoveram o enfraquecimento das ações de educação em saúde. Acrescenta-se a isso o impacto da pandemia e sua repercussão direta no mercado de trabalho, com aumento de desemprego e ampliação das vulnerabilidades, o que amplia a desproteção social e submete mais pessoas a condições de trabalho precárias. “Nós estamos com foco na trabalhadora e no trabalhador da saúde. Começa já a reunião com todos os estados, com a instituição dos grupos, para que a gente possa também levar para a nossa conferência uma política nacional de atenção à saúde e segurança da trabalhadora e do trabalhador”, explicou a secretária. 


Na mesa de abertura da aula inaugural, o diretor da ENSP, Marco Menezes, também mencionou a 4ª CNGTES, que considera um marco na retomada das pautas da Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde. Ele destacou uma das queixas levantadas pelos trabalhadores. “É um momento em que há uma grande e justíssima reivindicação dos profissionais do serviço público, do nosso SUS, pela recomposição salarial. Não há como não falar deste ponto, que é central, já que estamos tratando da gestão do trabalho, das pessoas que constroem o SUS”, afirmou o diretor. Menezes complementou lembrando dos debates que a ENSP tem promovido sobre temas estratégicos a fim de contribuir para contribuir e subsidiar a elaboração de políticas públicas. 

“Tê-la aqui, representando um governo que nos desafia a construir e reconstruir esse país, é muito importante para nós. Então, sabemos que esse processo passa, por exemplo, pela discussão do financiamento do SUS. Estamos acompanhando o papel que o parlamento brasileiro está cumprindo e precisamos debater muito de onde e para onde está indo o recurso público do SUS. É um momento em que vemos a crise sanitária, especialmente da dengue. Portanto, é essencial também falar de formação, de gestão do trabalho nesse contexto, que é muito complexo”, disse Marco Menezes ao saudar a convidada especial. O diretor da ENSP também destacou a importância de discutir os caminhos para materializar no dia a dia a aproximação dos campos saúde e educação: “quando falamos da formação, consideramos que está ligada diretamente à gestão do trabalho”. Com o Dia Internacional da Mulher próximo, o diretor também fez destaques sobre o empenho da ENSP em promover ações pela equidade, que considera fundamental na formação para a saúde. “Recentemente tivemos um grande debate do programa Mais Meninas e Mulheres na Ciência, uma pauta super importante e estratégica. Apontamos alguns caminhos, também sugestões e propostas para formação no âmbito dessa discussão da interseccionalidade”.


Também presente na mesa de abertura da cerimônia que abriu oficialmente o ano letivo de 2024 da ENSP, a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado, classificou o tema escolhido para a aula magna como “crucial para o SUS”. Pesquisadora da Escola, Machado citou e lamentou os retrocessos sofridos pelas políticas políticas do trabalho no Brasil. “A saúde expressa essa precarização”, afirmou. A vice-presidente foi aplaudida quando se dirigiu à audiência formada por alunos e professores para pedir que “não concordem quando falarem que nós temos doutores demais no país, nós precisamos formar mais doutores e pesquisadores”. 

Vice-diretora de Ensino da ENSP, Enirtes Caetano foi quem deu as boas-vindas a todos e recebeu a convidada Isabela Pinto para a palestra de pontapé inicial de 2024. Após afirmar ser um dia de “muita emoção e alegria”, ela lembrou que “hoje a ENSP tem uma agenda pactuada com as instâncias do SUS e contribui coletivamente a partir das necessidades decorrentes do Sistema de Saúde”. A vice-diretora reforçou ainda o compromisso da Escola é de formação e de transformação. Ainda na mesa inicial, a aluna do Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente Lilian Silva, representante dos discentes, cumprimentou os novos estudantes. “Temos um desafio tanto na gestão, quanto na academia, quanto estudantes, quanto profissionais dentro dessa Escola, de pensar não só em estratégias e mecanismos que contribuam nas dimensões política, educacional, econômica e subjetiva do nosso setor saúde, mas também articular conceitos, ideias e, principalmente, valorizar o nosso Sistema Único de Saúde. Além disso: não se esqueçam que nós temos uma relação direta e integrada entre a saúde humana e a saúde ambiental”.

A sessão da aula inaugural da ENSP foi encerrada com uma mensagem da secretária Isabela Pinto que resumiu os objetivos do estreitamento da parceria entre a SGTES e a Escola. “Resistir e lutar é sempre o caminho”, disse. “Contem com a SGTES para avançarmos na área da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde e no Sistema Único de Saúde, porque a Secretaria também se articula e é responsável por estruturantes, afinal são as trabalhadoras e os trabalhadores que operam e implementam as políticas e, portanto, mudam a saúde nesse país”.

Assista à aula inaugural na íntegra: