Barral defende que formar melhores cientistas e cidadãos é medida preventiva contra desinformação
Atualizado em 12/03/2025
Desinformação, lacunas na formação dos cientistas no Brasil e desafios para comunicação e divulgação científica foram os principais temas discutidos na mesa “Ciência e comunicação”, realizada nesta quarta-feira (12/3), na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). O evento foi parte da programação da Semana de Abertura do Ano Letivo de 2025 e teve como palestrante o pesquisador da Fiocruz Bahia, titular da Academia Brasileira de Ciências e presidente da Academia de Ciências da Bahia, Manoel Barral-Netto. Participaram como debatedores o coordenador da Radis, Rogerio Lannes, e a co-editora-chefe de Cadernos de Saúde Pública, Marilia Sá Carvalho. A moderadora foi a assessora da presidência e coordenadora do GT Desinformação da VPEIC/Fiocruz, Elisa Andries. As apresentações foram seguidas de um amplo debate com o público presente no auditório da ENSP. Assista na íntegra no canal da ENSP no YouTube e leia abaixo os principais destaques.
Barral abordou as dificuldades de comunicação historicamente enfrentadas pela ciência, com destaque para o desafio de lidar com as incertezas e erros inerentes ao processo científico. “A ciência reconhece o risco quase inevitável do erro. Isso nos dá autoridade. Mas os erros, as correções e os avanços precisam ser melhor trabalhados na comunicação”, alertou. O convidado somou a essa questão os ataques à ciência observados nos últimos anos, como cortes orçamentários, onda de negacionismo, interferência política em instituições científicas, censura e desvalorização da ciência, cortes em educação científica, propagação de desinformação em redes sociais, criminalização ou intimidação de cientistas e enfraquecimento da ciência aberta.
Em seguida, o pesquisador falou da formação dos cientistas. Ele apontou possíveis lacunas e questionou se a ciência produzida atualmente busca o avanço do conhecimento e da relevância social. Nesse contexto, Barral criticou as formas de avaliação da ciência e a valorização da quantidade de publicações de artigos e não da qualidade deles. “O que estamos fazendo enquanto comunidade científica? Temos que repensar o sistema. Uma ciência bem feita já é difícil de ser compreendida pela sociedade, imagina mal feita?”, provocou.
Ainda sobre a questão da educação e da formação, Barral alertou para as disparidades no Ensino Superior no Brasil e lamentou que o mérito individual, avaliado por métodos que considera questionáveis, prevaleça sobre a possibilidade de uma política científica abrangente. Ele criticou o “ensino de ciências afastado da compreensão da natureza” e disse haver um exagero de aulas expositivas durante a formação, defendendo que inovações pedagógicas são necessárias para formar melhores cientistas e cidadãos. “É preciso haver pessoas capazes de reconhecer e agir conforme as incertezas da ciência e de se comunicar com a sociedade. Esta é uma medida preventiva à desinformação não-intencional”, defendeu Barral ao também diferenciar a má comunicação da ciência, que também precisa ser corrigida, daquela que é produzida e espalhada propositalmente.
O fenômeno da desinformação intencional foi outro tópico abordado pelo palestrante, que disse que esse tipo de fake news se dirige “aos pilares da democracia com objetivo de desestruturar setores e enfraquecer instituições deliberadamente e a partir de financiamento”, como salientou. Para complementar a análise, Barral-Netto citou um trecho do livro “Enfrenta: enfrentamento da desinformação na ciência”, organizado por ele com Carlos Vogt. “A desinformação intencional e a propagação do descrédito na ciência representam uma séria ameaça à vida em sociedade e à democracia. Atualmente, a desinformação intencional é coordenada e opera com informações deliberadamente falsas, imprecisas ou enganosas, apresentadas e articuladas para gerar uma realidade paralela, como se fossem fatos, com fins econômicos, políticos e/ou ideológicos”. A publicação reúne textos de diversos especialistas e apresenta estratégias para atuar contra a desinformação científica.
Na síntese de sua apresentação, Barral reforçou que melhorias na formação são uma forma de enfrentar desinformação. “Ou começamos a formar outro tipo de cidadão, que seja preparado para o futuro, ou não teremos solução para esse problema. Além disso, precisamos também de medidas imediatas. Então, é preciso fazer enfrentamento agora e também de logo prazo para a prevenção do que está por vir”.

Participação dos debatedores
Co-editora-chefe de Cadernos de Saúde Pública, Marilia Sá Carvalho se alinhou a diversos pontos da palestra de Manoel Barral e destacou que é obrigação dos cientistas combater a má ciência no próprio campo científico, denunciando erros, mesmo que cometidos com boas intenções, além de fraudes e revistas predatórias, por exemplo. “É parte da nossa tarefa e da nossa função brigar dentro do campo da ciência, porque isto vai trazer impactos na divulgação científica também”. Para exemplificar, ela citou a contestação de um artigo de dezembro de 2024 que apresentou conclusões baseadas em metodologias falhas e que podem induzir à desconfiança em relação às vacinas, em especial a contra Covid-19.
Como responsabilidade dos cientistas, ela destacou ainda a revisão por pares, chamando a atenção para a necessidade de mais dedicação dos pesquisadores a dar pareceres, algo essencial. “Os revisores e editores são os guardiões da publicação científica, filtrando conteúdos de baixa qualidade e pobremente relatados”. Marilia Sá Carvalho criticou ainda diversos aspectos da dinâmica vigente da produção científica, como o fator de impacto como indicador e o grande volume de artigos publicados. “A quantidade de publicação virou uma balbúrdia e é muito difícil separar o joio do trigo”, disse. A co-editora-chefe de CSP lembrou também que a indústria da publicação científica é uma das mais lucrativas do mundo.

“Nossa tarefa é essa: vamos lutar, dentro do campo da ciência, para que o que sai na comunicação científica, nas revistas, seja o melhor e o mais preciso possível do ponto de vista da linguagem. Além disso, devemos tomar conta para que isso não seja mal usado”, resumiu.
O coordenador da Radis, Rogério Lannes, comentou as falas de Manoel Barral e de Marília Sá Carvalho e direcionou sua contribuição à mesa para a noção mais ampla de divulgação científica, no sentido de popularização e de comunicação pública da ciência. Ele propôs um deslocamento do paradigma da transmissão do conhecimento, forma de comunicação unilateral, para o paradigma dialógico, no qual o interlocutor tem voz. “A ideia é trabalhar com um conceito que pressupõe que o outro não é um público-alvo a ser atingido, algo diferente da noção de que um lado tem o conhecimento e vai alcançar o outro, que não tem”, disse.
Lannes também comentou formas de enfrentamento ao fenômeno da desinformação. “Não adianta bombardear as chamadas fake news com outras certezas”, afirmou ao sugerir desqualificar a fonte e desconstruir a lógica da desinformação como estratégias melhores. Voltando à discussão sobre a característica inerente da ciência de conviver com a incerteza e com dúvidas, o debatedor comentou que, na pandemia de covid-19, por exemplo, “na briga contra a desinformação, a ciência se colocou como certeza”, em contradição com a sua própria natureza da dúvida e do questionamento.
Assista na íntegra: