Reflexão sobre Direitos Humanos marca abertura da segunda turma do Doutorado Profissional da ENSP

Atualizado em 18/08/2025

Por Barbara Souza

A segunda turma do Doutorado Profissional em Saúde Pública, da ENSP/Fiocruz, iniciou suas atividades refletindo sobre “Direitos Humanos no Brasil: para quê e para quem?”. A aula inaugural foi ministrada nesta sexta-feira (15/8) pela secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Janine Mello, no auditório térreo da Escola. “É um processo de construção no qual decidimos, como sociedade, o que aceitamos ou não”, sintetizou a convidada sobre o tema. 

Ao explicar diferentes “chaves de compreensão” sobre como os Direitos Humanos podem ser organizados, a palestrante expôs as perspectivas normativa e contextual, que considera complementares. Segundo Janine, é importante normatizar, registrar em leis e avançar nesse sentido, mas também evoluir com o que chamou de pacto social e civilizatório. “Pelo ponto de vista contextual, entendem-se os Direitos Humanos como parte de um processo de construção. Em algum momento, a sociedade lidou muito bem com a escravidão. Assim como lidou bem com a falta de direitos das mulheres. Talvez, hoje, lidemos muito bem com a falta de direitos da população em situação de rua. Então, o que é reconhecido atualmente como um direito inegociável, 200 anos atrás ainda não era. Portanto, é possível que coisas com as quais a gente convive hoje, daqui a 100 anos, sejam impensáveis”, explicou.

Na palestra mediada pela coordenadora adjunta do Doutorado Profissional, Adriana Coser, Janine Mello apresentou as origens e o contexto histórico da criação do que hoje se entende como Direitos Humanos. Além disso, comentou sobre a dificuldade de delimitar o conceito. “Identifica-se mais pela violação”, resumiu, ao citar a percepção de que há “verdades autoevidentes sobre o direito básico à vida, à liberdade e à segurança”, por exemplo. A secretária-executiva salientou ainda que houve uma “virada empática”, a partir da qual se tornaram mais recorrentes o “reconhecimento do outro como semelhante e a capacidade de conexão com sentimentos e vivências distintas das nossas próprias”.

No entanto, ela ressaltou que “às vezes esquecemos da capacidade humana de desumanizar o outro”. Janine Mello destacou três vertentes de atuação da sociedade em resposta a isso: memória e verdade, vida sem tortura e trabalho digno. “O Brasil é um país em que diferentes grupos sociais sofreram violência por parte do Estado de maneira sistemática, como os povos originários, a população negra e as pessoas com hanseníase, por exemplo, que foram isoladas compulsoriamente. Então, é preciso ampliar a ideia de ‘memória e verdade’ para além do contexto da Ditadura. Já a tortura foi uma das primeiras questões sobre as quais houve consenso de que não é possível tolerar, mas isso é flexibilizado até hoje.”

Durante a aula de abertura, Janine apresentou brevemente a Política Nacional de Direitos Humanos, alertou para as tentativas de retrocesso e destacou que “parte do nosso compromisso é garantir a resiliência das políticas públicas para que elas resistam, por exemplo, a mudanças de governo”. Após destacar que se trata de uma política de Estado, a convidada comentou sobre a amplitude da área, que tem grande “permeabilidade a demandas e participação da sociedade civil”.

Como principais agendas de Direitos Humanos no país hoje, a secretária-executiva do MDHC listou: proteção de crianças e adolescentes contra violência sexual, física e em ambiente virtual; ampliação do acesso das pessoas com deficiência às políticas públicas; formulação de estratégias para pessoas idosas em diferentes contextos e graus de dependência; avanço na consolidação normativa e política de direitos da população LGBTQIA+; retomada e ampliação da agenda de memória, verdade e reparação; estruturação de mecanismos de resposta eficazes em casos de violação de direitos humanos e programas de proteção (testemunhas, defensores e crianças e adolescentes ameaçados); garantia de implementação da Política Nacional para População em Situação de Rua (ADPF 970); e avanço em medidas contra desaparecimento forçado e de apoio às famílias de pessoas desaparecidas.

Já em relação aos desafios, Janine Mello destacou a diversidade de temas e públicos; o equilíbrio entre políticas de promoção e proteção dos direitos humanos; a transversalidade dos temas e públicos – problemas complexos exigem soluções multidimensionais e estratégias intersetoriais; a ausência de um sistema nacional de Direitos Humanos articulado com estados e municípios; e a necessidade de ampliar parcerias dentro e fora da esfera pública para uma agenda de promoção e proteção dos direitos humanos.

Mesa solene
Antes da aula de abertura do Doutorado Profissional em Saúde Pública, a cerimônia teve a participação de representantes da coordenação do curso, dos estudantes, da Vice-Direção de Ensino da ENSP e da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz. A vice-presidente adjunta de Ensino, Eduarda Cesse, lembrou que, por meio de formações como essa, a Fiocruz busca aproximar cada vez mais a formação acadêmica da prática profissional. “Interdisciplinaridade e compromisso social são marcas definitivas dessa formação, que alia excelência científica, pertinência social e defesa dos Direitos Humanos”, disse.

O vice-diretor de Ensino da ENSP afirmou que o Doutorado Profissional é um indicador de que a Escola está cumprindo sua tarefa e que se trata de um projeto “difícil de colocar de pé”. Em referência à mitologia grega, Gideon Borges disse que o mestre e o doutor profissionais são “os demiurgos da Saúde Pública”, que têm a tarefa de “melhorar a qualidade de vida da população, criar formas perfeitas para isso”. O coordenador de Stricto Sensu da ENSP, Rondineli Mendes, festejou o clima de alegria e congratulação do evento, manifestando o desejo de que o ambiente perdure durante os quatro anos de curso.

A coordenadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública Profissional, Gisela Cardoso, celebrou o curso como “conquista extremamente importante da ENSP e da Fiocruz” ao dizer que resulta de um processo de esforço coletivo “que está valendo a pena”. A coordenadora-geral do Doutorado Profissional, Elyne Engstrom, destacou que o tema dos Direitos Humanos, escolhido para a aula, expressa um valor ético e político para a instituição. “Também tem a ver com a nossa soberania, pois o Brasil é um país que respeita os Direitos Humanos e a Fiocruz valoriza isso. É uma pena que esse tema hoje ainda esteja tão tensionado”, declarou a pesquisadora.

A coordenadora-geral de Gestão de Pessoas da Fiocruz, Andrea da Luz Carvalho, destacou à nova turma que o Doutorado Profissional representa o duplo desafio da instituição: desalienar a teoria da prática e vice-versa. “A academia precisa se desalienar também para que a ciência não seja alienada da população brasileira, para que seja uma ciência contextualizada”, defendeu.

Assessora do gabinete da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Teresa Timo afirmou ser muito importante para a pasta ter profissionais qualificados por uma instituição como a ENSP. “É pertinente e simbólico inaugurarmos uma turma falando sobre direitos humanos”, celebrou. Representante dos alunos da primeira turma do Doutorado Profissional, Ana Carolina Rangel deu as boas-vindas aos novos estudantes: “Ser trabalhador do SUS e estudar não é para qualquer um. É uma conquista. Mergulhar de cabeça sem boia nos debates, mas haverá leveza, bom humor e integração”.

O evento foi encerrado no fim da manhã com uma emocionante apresentação do Canto da Rua, um coral formado por pessoas em situação de rua, realizado pela Pastoral do Povo da Rua, da Arquidiocese do Rio de Janeiro.