ENSP forma facilitadores-docentes que vão atuar no curso de qualificação da Rede de Cuidados a PcD no SUS

Atualizado em 08/09/2025

Por Barbara Souza

A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) deu início, nesta segunda-feira (8/9), à Formação Pedagógica para facilitadoras e facilitadores-docentes que vão atuar na Especialização para Qualificação da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no SUS (RCPD). Trinta selecionados dentre 400 candidatos participam das atividades da Formação Pedagógica, de caráter classificatório. Desse total, 13 são pessoas com deficiência, cinco são pessoas negras e três são pessoas trans. Ao final da semana, serão selecionadas 23 facilitadoras(es)-docentes titulares e 7 suplentes.

Fruto de parceria entre a ENSP e a Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, do Ministério da Saúde, por meio da Coordenação-Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência, o curso de Especialização vai qualificar trabalhadores de saúde envolvidos na efetivação das diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência (PNAISPD) e das ações da RCPD. A Coordenação do Curso de Formação Pedagógica, formada pelos pesquisadores da ENSP Gideon Borges, Laís Silveira Costa e Marcos Besserman Vianna, ressaltou que, segundo o que conhecem, essa é a primeira vez que uma instituição de pós-graduação seleciona três pessoas com deficiência intelectual num processo para contratação de docentes num curso.

Presente na abertura do curso, o diretor da ENSP, Marco Menezes, ressaltou que a formação é o melhor mecanismo para enfrentar a estrutura capacitista da sociedade e também da academia. Ele lembrou que, desde o primeiro ciclo da gestão, busca implementar iniciativas de “uma forma mais estruturante” no âmbito da agenda que envolve a pessoa com deficiência. “Uma das primeiras ações foi a nossa participação, junto com os movimentos, na Conferência Livre Nacional sobre a saúde da pessoa com deficiência, em 2023, o que também é formação. Afinal, para nós, a formação também é na militância e na luta. Agora, esse curso vem consolidar isso por dentro da estrutura da academia, com mudança de currículo e uma formação que reúne a diversidade de alunos e alunas, como também dos chamados facilitadores-docentes.”

Para o diretor, o curso reafirma o compromisso da ENSP com a construção de um SUS cada vez mais diverso, equânime e inclusivo. Menezes fez um paralelo com o tema da comemoração dos 71 anos da Escola, realizada na semana passada: Soberania Nacional e Democracia. “Nesta semana, no país, é o momento de reafirmarmos a democracia com o julgamento dos envolvidos na tentativa de golpe do dia 8 de janeiro. Enquanto isso, na nossa Escola, reafirmamos que só há soberania se ninguém é deixado para trás.”


O diretor da ENSP aproveitou a oportunidade e convidou o coordenador-geral de Saúde da Pessoa com Deficiência do Ministério da Saúde, Arthur Medeiros, presente na atividade, para o desafio de estruturar o Observatório Nacional de Implementação da Política de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência. “É preciso integrar várias políticas, como o Viver sem Limites, a política da pessoa em situação de rua, o Brasil Sem Fome, por exemplo. Tudo isso tem que estar integrado”, sublinhou. Por fim, Marco Menezes disse que vai utilizar as redes internacionais das quais a ENSP faz parte – a exemplo da Rede de Escolas Nacionais de Saúde Pública da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – para difundir o material educomunicacional produzido na Escola sobre o tema, como as cartilhas em cordel sobre a saúde da pessoa com deficiência.

Já Laís Silveira destacou que o processo seletivo não se ateve ao teto das ações afirmativas e explicou a importância de dar oportunidades às pessoas silenciadas em suas trajetórias de vida e também na produção de conhecimento. “Por isso, é preciso qualificar essa docência, trazendo as corporeidades diversas para enfrentar os sistemas de opressão”, explicou. De acordo com ela, a presença das três mulheres com deficiência intelectual entre os possíveis facilitadores-docentes “representa um aprendizado valioso para a instituição e deve se expandir para toda a rede de cuidados”.


A pesquisadora deu exemplos de desrespeito aos direitos das pessoas com deficiência para reforçar a relevância das iniciativas. “Apesar de os direitos reprodutivos serem para todos, inclusive para pessoas sob curatela, ainda há projetos de lei que defendem a esterilização compulsória, à revelia das pessoas. Além disso, o sistema de saúde não escuta essas vozes. Embora a Lei Brasileira de Inclusão assegure o acesso a tecnologias assistivas, inclusive para garantir a comunicação, é sintomático que ferramentas como a linguagem simples e a comunicação alternativa, que são as de menor custo, ainda não estejam disponíveis no SUS. Da mesma forma, também não chegou ao SUS um instrumento de tomada de decisão apoiada, que permitiria às pessoas se expressarem por si mesmas”, disse Laís.

O coordenador-geral de Saúde da Pessoa com Deficiência do Ministério da Saúde, Arthur Medeiros, também citou a Conferência Livre de 2023. Ele destacou que foi quando iniciou a aproximação com a ENSP. “Esse projeto vem sendo construído há quase dois anos. Trata-se de uma necessidade urgente de qualificação dos profissionais que cuidam das pessoas com deficiência. No âmbito do Ministério da Saúde, não há registro de nenhum curso direcionado especificamente para RCPD, esse é o primeiro e atende a uma necessidade verbalizada pelos profissionais”, explicou. A iniciativa, conforme salientou Medeiros, “vem justamente para romper a lógica capacitista, para trabalharmos numa perspectiva de cuidado de acordo com a necessidade das pessoas com deficiência, expostas por elas mesmas”.

Autodefensora da Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down (FBASD) pela região Nordeste, Amanda Amaral Lopes está participando do curso ao longo desta semana. Segundo ela, a “formação de facilitadores-docentes, para ajudar outras pessoas que necessitam, tem uma importância de dimensão gigantesca”. Amanda celebrou a oportunidade. “É muito importante que os participantes da Especialização para Qualificação da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no SUS (RCPD) sejam bem orientados para que eles possam se aprimorar ainda mais durante o curso. Também acho que é uma chance de inovar na comunicação e na educação. Com certeza também é uma oportunidade de combater o capacitismo na saúde.”

Outra participante do grupo de potenciais facilitadores-docentes é a doutoranda em Antropologia pela UFF Olga Maria Tavares, que teve uma perna amputada. Ela defendeu que os profissionais de saúde sejam capacitados para lidar com a diversidade das corporeidades. “Eu me senti impulsionada a estar aqui com vocês. Primeiro para aprender, para ouvir essa diversidade do Brasil inteiro aqui na Fiocruz. E é importante que isso seja socializado em nosso país, para que os profissionais de saúde saibam que nós, pessoas com deficiência, somos diferentes, mas não somos inferiores, então precisamos de tratamento com dignidade”, disse.

Como orientadoras de Aprendizagem, a iniciativa conta com Fernanda Vicari, Ana Carolina Schmitt e Kátia Ribeiro. As duas últimas também atuam como docentes na Formação Pedagógica. Nesta manhã, houve apresentações sobre o Projeto Pedagógico, os Instrumentos de Avaliação, o papel do facilitador-docente e a proposta de Trabalho de Conclusão de Curso, assim como os pactos de trabalho. As atividades serão encerradas na sexta-feira (12/9).