Abertura da JAD ENSP 2025 provoca reflexão sobre o papel da Saúde Coletiva diante das crises globais

Atualizado em 02/10/2025

*Por Tatiane Vargas


Com programação científica e cultural, a JAD 2025 acontece até sexta-feira (3/10) e reúne estudantes da pós-graduação da ENSP, professores e pesquisadores. 

2ª Jornada Acadêmica da ENSP começou com uma conferência de abertura potente e mobilizadora, trazendo um dos debates mais urgentes da atualidade: o papel da Saúde Coletiva na construção de respostas resilientes frente às múltiplas crises que marcam o século XXI. A mesa foi composta por Juliana Villardi, da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, e pelo pesquisador e professor da ENSP, Frederico Peres. Juntos, eles trouxeram contribuições que ampliaram o olhar sobre os desafios contemporâneos e o lugar estratégico da formação, da pesquisa e da articulação social nesse contexto. A mesa foi coordenada pela representante do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente e membro da coordenação da JAD ENSP 2025, Lilian Silva.

Um convite à esperança crítica 

A conferência de abertura da JAD ENSP 2025 não trouxe respostas prontas. Trouxe, sobretudo, perguntas inquietantes, conexões profundas entre saúde, território, política e ambiente, e um convite claro: repensar a Saúde Coletiva como campo estratégico na reconstrução democrática e socioambiental do país. As falas de Juliana Villardi e Frederico Peres apontaram para um horizonte de resistência, renovação e ação coletiva. Um chamado à esperança crítica, ancorada na ciência comprometida com a transformação social. 

+ Assista ao vivo: Abertura JAD 2025 - A Saúde Coletiva no Enfrentamento de Crises Globais!

Entre ciência, política e território: os caminhos da Saúde Coletiva 

Em uma fala conectada com sua trajetória acadêmica e institucional, Juliana Villardi destacou que vivemos não apenas uma crise ambiental, mas uma crise civilizatória, multifacetada, interdependente e marcada por dimensões sociais, econômicas, tecnológicas e éticas. 

Resgatando os fundamentos críticos da Saúde Coletiva, estruturada nos eixos da epidemiologia, das ciências sociais e humanas, e das políticas, planejamento e gestão, Villardi provocou o público com uma pergunta central: esses pilares ainda são suficientes para enfrentar os desafios atuais? 

A partir de uma revisão bibliográfica e de sua experiência institucional, ela apontou para a necessidade de um investimento intelectual renovado, como propõe a professora Patrícia Ribeiro, capaz de gerar novos paradigmas, objetos e abordagens na área. "A complexidade das crises demanda interdisciplinaridade real, integração de saberes tradicionais, conhecimento territorializado e articulação com os movimentos sociais". 

Conhecimento para transformação: mediação, engajamento e ação 

Villardi destacou o papel da Fiocruz na construção de respostas institucionais para as crises ambientais e de saúde, apresentando o recém-criado Centro de Síntese em Saúde Coletiva, que busca integrar dados, métodos e conhecimentos para atuar sobre temas emergentes como insegurança hídrica, migrações climáticas, eventos extremos, turismo e saúde. 

Ela enfatizou a figura do profissional da saúde coletiva como "mediador do conhecimento" (knowledge broker) - não apenas um produtor acadêmico, mas um agente de transformação social, capaz de traduzir ciência em ação concreta. 

Em sua análise sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde, trouxe exemplos como a crise alimentar, os efeitos das enchentes no Rio Grande do Sul e o avanço da monocultura, todos fenômenos que demandam respostas integradas entre saúde, ambiente e política pública. “A saúde coletiva precisa ser territorializada”, afirmou. 

Para encerrar, Villardi citou o professor Jairnilson Paim, lembrando que o fortalecimento do SUS exige reformas estruturais e vontade política. “Nosso papel é integrar ciência, política e território, com o SUS no centro dessa agenda de justiça social.” 

Da crise climática à crise de crises: um chamado à ação crítica e transformadora 

Em tom descontraído e afetivo, Frederico Peres iniciou sua fala se colocando como egresso da ENSP, chamando atenção para o desafio de pensar a saúde pública num contexto de crises interdependentes e profundamente enraizadas em escolhas econômicas e políticas. 

Peres propôs uma chave de leitura baseada em três dimensões: “o político” (o contexto), “a política” (a governança) e “os atores políticos” (nós, a sociedade civil, movimentos, academia e governos). Sob essa lente, argumentou que a emergência climática precisa ser entendida não como uma crise isolada, mas como “uma crise de crises”, produto de modelos de desenvolvimento insustentáveis que geram desigualdade, degradação ambiental e iniquidades em saúde. 

A América Latina e suas contradições 

Ao discutir os efeitos da crise climática sobre a saúde pública, Peres destacou a especificidade da América Latina, região que convive simultaneamente com problemas típicos de países pobres, emergentes e ricos. “Estamos em todos os pontos da curva”, afirmou, ao ilustrar a convivência entre desafios como saneamento básico precário e poluição atmosférica urbana. 

Essa complexidade, segundo ele, impõe à saúde coletiva o desafio de atuar em múltiplas frentes, e compreender o território como um elemento chave da análise. “Não dá para falar de saúde pública no Brasil sem entender o muro entre o Morumbi e Paraisópolis”, disse. 

Política, economia e emergência ambiental: conexões inevitáveis 

Peres relacionou diretamente os desastres ambientais recentes, como as queimadas no Pantanal e as enchentes no Rio Grande do Sul, com decisões políticas e modelos econômicos centrados na reprimarização da economia e expansão do agronegócio. Para ele, a saúde coletiva deve ser crítica em relação a essas escolhas e assumir seu papel como campo estratégico na denúncia, análise e transformação dessa realidade. 

Fez também um chamado à prática acadêmica aplicada: “Não basta produzir conhecimento robusto. Ele precisa ser viável, aplicável e capaz de gerar mudanças reais nos territórios.” 

Escolas de Saúde Pública como atores políticos estratégicos 

Encerrando sua apresentação Frederico destacou a valorização das Escolas de Saúde Pública como atores políticos essenciais na formação de profissionais comprometidos com o SUS real, aquele que enfrenta precariedades, contradições, mas também expressa enorme potência e resiliência. “Formamos muitas vezes para aquele SUS ideal. Mas nossos egressos atuam no SUS real, porém muito mais necessário.” 

Peres apresentou também experiências de cooperação internacional, como a criação de Escolas de Governo em Saúde em países latino-americanos inspiradas na ENSP/Fiocruz, e destacou dois produtos recentes: o estudo sobre insegurança alimentar e emergência climática na América Latina, e o livro sobre a atuação das escolas frente às mudanças climáticas, ambos gratuitos e com ampla participação de instituições da região. 

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Entrevista: Pesquisa analisa insegurança alimentar e emergência climática em países da América Latina

Livro organizado por pesquisadores da ENSP aponta evidências das crises climática e alimentar na América Latina.

Em Congresso da Alames, ENSP lança livro sobre emergência climática e Escolas de Saúde Pública.

Mas os desafios são grandes. Segundo ele, a emergência climática ainda é periférica nos currículos dos cursos de saúde pública, aparece em apenas 5% deles. “Isso precisa mudar, e rápido.” 

Encerrando sua fala, Frederico Peres resgatou Paulo Freire e seus princípios da Pedagogia da Autonomia, reafirmando o papel transformador da educação e da docência: “Não há docência sem discência. Esta escola, como qualquer outra, não existe sem os alunos.” 

Abertura da JAD 2025 enfatiza protagonismo discente e aposta na humanização do fazer científico 

A abertura da 2ª Jornada Acadêmica da ENSP (JAD 2025) foi marcada por falas que reafirmaram o protagonismo estudantil, o esforço coletivo e o compromisso institucional com a ciência, a diversidade e a humanização do espaço acadêmico. 

Maurício de Seta, coordenador de Desenvolvimento Educacional e Educação a Distância da ENSP e representante da Vice-Direção de Ensino, destacou a importância da consolidação da JAD como um evento estratégico no calendário da escola.  

"A Jornada surge como um esforço para fortalecer o protagonismo estudantil e ampliar espaços de debate sobre os desafios contemporâneos". Maurício também sublinhou a centralidade da humanização na formação acadêmica, especialmente em tempos de desumanização global. Enalteceu o cuidado, a sensibilidade e a dedicação da comissão organizadora, que mesmo diante de recursos limitados, entregou um evento de excelência. 

Ana Paula Bragança, representante do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e integrante da coordenação da JAD, ressaltou o desafio logístico de organizar um evento de grande porte em curto espaço de tempo. Com bom humor, comentou a transição de eventos pequenos para grandes eventos, apontando a mobilização intensa de estudantes, docentes, servidores e parceiros institucionais. Ana Paula destacou o cuidado com cada mesa, construída com base na escuta aos alunos e na busca por representatividade e qualidade. Para ela, "a jornada é resultado de um processo de construção coletiva, feito 'por nós, para nós', que expressa os sonhos e esforços de uma comunidade comprometida". 

Ramila Alencar, representante do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia em Saúde Pública e também coordenadora da JAD, reforçou que o evento é fruto do engajamento direto dos estudantes. Mesmo diante de compromissos acadêmicos, como aulas e avaliações, muitos se dedicaram intensamente à organização. Ramila enfatizou o caráter inovador da programação, que equilibra nomes de destaque com o reconhecimento da produção interna dos programas, garantindo espaço para mestrandos, doutorandos e egressos apresentarem seus trabalhos. Afirmou com convicção: “Não somos apenas estudantes; somos pesquisadores”, defendendo a valorização do protagonismo estudantil nas instâncias institucionais. 

Lilian Silva, representante do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente e também da coordenação da JAD, concluiu a abertura com uma fala emocionada, relembrando o percurso desde a 1ª edição. Compartilhou os desafios vividos ao longo da organização e prestou homenagem à equipe da primeira jornada, reforçando a importância da continuidade histórica.

Lilian destacou o esforço da comissão científica, que contou com mais de 80 avaliadores (entre doutores, egressos e pós-graduandos) na seleção de 60 trabalhos. A programação, segundo ela, reflete o crescimento do movimento estudantil dentro da ENSP e o compromisso com uma ciência diversa, crítica e engajada. 

Em sua fala final, Lilian reafirmou: “Nós, estudantes, não somos passageiros nesta escola. Somos parte essencial da sua história e da sua produção científica". Ela encerrou a mesa declarando oficialmente aberta a 2ª Jornada Acadêmica da ENSP, desejando que os três dias de evento sejam marcados por trocas significativas, inspiração e fortalecimento da comunidade acadêmica.