Módulo 1 – Determinação social da saúde, políticas intersetoriais e promoção da saúde

A agroecologia: um novo paradigma para a promoção de territórios sustentáveis e saudáveis

Estamos chegando ao fim deste módulo, no qual discutimos conceitos fundamentais que servirão para embasar esta última seção. Partimos do conceito de SUS, passando pelo olhar abrangente sobre a saúde a partir do significado de determinação social da saúde, pelas políticas intersetoriais que legitimam as ações nos territórios e pela ecologia de saberes, conceito fundamental para garantir a relação dos diferentes conhecimentos na construção do saber. Já apresentamos algumas políticas públicas que relacionam saúde e agroecologia e apresentamos a ideia de memória biocultural.

Agora vamos avançar um pouco mais na compreensão dessa alternativa que vem sendo dialogada, apropriada e vivenciada nos territórios sustentáveis e saudáveis para a promoção da saúde: a agroecologia.

O livro Agroecologia – alguns conceitos e princípios (CORPORAL; COSTABEBER, 2004) nos dá importantes elementos para seguirmos com nossas reflexões.

Desde muito tempo, o ser humano vem buscando estabelecer estilos de agricultura menos agressivos ao meio ambiente, capazes de proteger os recursos naturais e de ser duráveis no tempo. Em diversos países surgiram agriculturas alternativas, com diferentes denominações: orgânica, biológica, natural, ecológica, biodinâmica, entre outras, cada uma delas seguindo determinadas filosofias, princípios, tecnologias, normas e regras, segundo as correntes a que estão aderidas (CAPORAL e COSTABEBER, 2004). Embora fossem uma resposta ao modelo convencional de desenvolvimento e de agricultura, que se tornou hegemônico após a Segunda Guerra, essas agriculturas não traziam respostas para os problemas socioambientais, que foram se acumulando.

Nesse cenário nasceu a agroecologia, um campo de conhecimento que reúne várias “reflexões teóricas e avanços científicos, oriundos de distintas disciplinas” (GUZMÁN CASADO; GONZÁLEZ DE MOLINA; SEVILLA GUZMÁN, 2000, p. 81) que têm contribuído para conformar o seu atual corpus teórico e metodológico. Por outro lado, conforme Gliessman (2000), o enfoque agroecológico pode ser definido como “a aplicação dos princípios e conceitos da Ecologia no manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis”, num horizonte temporal. Esse enfoque integra o conhecimento local ao conhecimento científico, dando lugar à construção e à expansão de novos saberes socioambientais e alimentando assim, permanentemente, o processo de transição agroecológica.

Portanto essa ideia de transição se refere a um processo de evolução contínua e crescente no tempo, porém sem ter um momento final determinado. Entretanto, por se tratar de um processo social, a transição agroecológica implica não somente a busca de uma maior racionalização econômico-produtiva, com base nas especificidades biofísicas de cada agroecossistema, mas também uma mudança nas atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e à conservação dos recursos naturais (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 12).

Gliessman, durante o VII Congresso Brasileiro de Agroecologia, ao discutir a agroecologia como um novo paradigma de mudança social para o desenvolvimento rural sustentável, afirmou que “a agroecologia é uma ciência, uma prática e um movimento social”, e que se esses três não estiverem acontecendo, não se está fazendo agroecologia.

Essa agricultura ecológica que se desenvolve como ciência, prática e movimento social busca a quebra da lógica produtivista e econômica que vivemos no mundo atual. No campo ou na cidade, esse movimento entende a sociedade como um conjunto de temas que interagem de forma integrada, coerente e sustentável. Clique nos círculos a seguir para conhecer melhor as dimensões que interagem com a agroecologia:

Nesse sentido, entende-se que a agroecologia não é somente mais uma ciência ou disciplina científica, assim como também não é só uma mudança nas técnicas e práticas agrícolas, ou na forma de se trabalhar a agricultura. A agroecologia é uma nova forma de vida que respeita os direitos das pessoas independentemente de gênero, cor, idade ou classe social. Dessa forma, procura a participação de mulheres e jovens em todos os setores.

Entender a agroecologia não é somente saber como produzir sem a utilização de agroquímicos nas lavouras, mas sim entender todo o contexto social das pessoas.

Vamos assistir a um vídeo da TVE Bahia (2020) sobre uma experiência da Jornada da Agroecologia, que vem acontecendo em todo o Brasil desde 2001. Essa experiência resultou em um amplo processo dialógico entre vários movimentos sociais, populares, do campo e organizações não governamentais, que, desde os anos 1980, promovem as lutas pela terra e pela reforma agrária, a defesa da agricultura camponesa e a agroecologia.

Movimentos Sociais na Jornada de Agroecologia da Bahia
Para saber mais

Assista ao vídeo Agroecologia, ciência e movimento social – com depoimentos de profissionais de diferentes setores, como sindicalistas, trabalhadores rurais, professores, representantes de ONG, órgãos públicos e movimentos sociais , realizados por professores e estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2020.

A construção do conhecimento agroecológico realizada a partir dos preceitos da ecologia dos saberes, do olhar multidimensional sobre a sociedade e da agricultura ecológica e sustentável, vem sendo acumulada e multiplicada por meio da sistematização desse conhecimento, da socialização de tecnologias sociais e da construção de redes.

Para saber mais

Com base no livro Para sistematizar experiências, de Oscar Jara, o vídeo Como sistematizar experiências (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGROECOLOGIA, 2017) utiliza recursos de facilitação gráfica para compartilhar conhecimento metodológico. Assista!

Para ampliar ainda mais a compreensão das relações entre agroecologia e saúde da população, vale a pena ler a reportagem de André Antunes (2018) publicada por EPSJV/Fiocruz, em dezembro de 2018. Ela mostra como o movimento contra-hegemônico de produção de alimento saudável e segurança alimentar é fundamental para a promoção da saúde. Destacamos um trecho da matéria, a seguir.

Uma questão de saúde

Movimentos sociais, sanitaristas e organizações internacionais apontam as contradições do atual sistema agroalimentar, produtor de doenças e injustiça social.

O atual sistema agroalimentar é produtor de doença, iniquidade social e injustiça ambiental. As evidências disso se acumulam: da contaminação de alimentos e intoxicação de trabalhadores rurais por agrotóxicos, passando pela poluição do ar, dos rios e dos solos pelos resíduos de um sistema dependente dos combustíveis fósseis, chegando aos problemas gerados pelos hábitos alimentares nada saudáveis fomentados pela indústria alimentícia – com seus produtos processados, ricos em gorduras e conservantes e pobres em nutrientes. Segundo estimativa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mais de 800 milhões de pessoas passam fome hoje no planeta. Dois bilhões têm uma dieta pobre em micronutrientes, ao mesmo tempo em que a obesidade é uma epidemia em escala global. A diabetes, as doenças cardiovasculares e o câncer –muitos dos quais relacionados direta ou indiretamente ao sistema agroalimentar – causam milhões de mortes todos os anos, e representam um enorme fardo para sistemas de saúde de todo o mundo: para citar um exemplo, em 2010 estimou-se que 12% das despesas globais com saúde foram gastos somente com o tratamento da diabetes.
Este cenário sinaliza a urgência de uma mudança de paradigma no modo como a humanidade produz, distribui, comercializa e também consome seus alimentos. Para muita gente – seja no movimento social, em organizações internacionais ou no âmbito acadêmico – a alternativa já existe, e responde pelo nome de agroecologia.

Ciência, prática e movimento social
Mas o que é agroecologia? No Dicionário da Educação do Campo, publicado em 2012 pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e pela Expressão Popular, os agrônomos Dominique Guhur e Nilciney Toná definem a agroecologia como “um conjunto de conhecimentos sistematizados, baseados em técnicas e saberes tradicionais (dos povos originários e camponeses) que incorporam princípios ecológicos e valores culturais às práticas agrícolas” descaracterizadas pela chamada ‘Revolução Verde’. Este foi o nome dado ao processo que, a partir da década de 1950, introduziu em larga escala no meio rural um pacote tecnológico que inclui, além dos agrotóxicos, insumos químicos, sementes transgênicas, bem como irrigação intensiva e mecanização em massa da produção agrícola. Seus defensores argumentavam que assim seria possível produzir alimentos suficientes para uma população crescente. Paulo Petersen, do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), argumenta que isso se mostrou falso, e que os impactos negativos deste processo não demoraram a ficar evidentes. No Brasil, diz ele, é no enfrentamento aos agrotóxicos e à espoliação produzida pelo agronegócio que a chamada agricultura alternativa, que forneceu as bases para o que depois viria a ser chamado de agroecologia, se consolidou também como um movimento político. “A industrialização gerou uma desconexão entre a agricultura e a natureza, entre a produção e o consumo, que está na raiz dos impactos negativos do ponto de vista da degradação do solo, perda de diversidade, deterioração da qualidade dos alimentos e empobrecimento da população. A agroecologia faz a crítica a esse modelo, ao mesmo tempo em que aponta caminhos para reconectar agricultura e natureza, produção e consumo”, afirma Petersen. Produção científica em diálogo com saberes populares, práticas agrícolas sustentáveis praticadas pelos povos do campo e movimento de reivindicação de mudanças sociais estruturais: tudo isso junto é agroecologia.

Fonte: ANTUNES (2022).

Para saber mais

Sobre o tema sobre (in)segurança alimentar e a fome no mundo, assista ao vídeo de uma aula com Olympio Barbanti Junior (2018), jornalista e professor de relações internacionais da UFABC.

Atividade 3

Para consolidar seu aprendizado, busque os elementos que configuram a agroecologia em seu território:

  • Descreva uma ação de agroecologia no seu território.
  • Identifique uma ou mais dimensões integradas à agroecologia nessa ação. 

Para descrever a experiência identificada ou vivenciada, bem como as dimensões identificadas, você pode elaborar um texto, áudio ou vídeo.

Esta atividade irá subsidiar os itens 2, 3 e 4 do Pats, referentes à seleção de uma tecnologia social e uma breve apresentação de como ela poderia solucionar problemas concretos no território, à estratégia de implementação dessa tecnologia e sua viabilidade.

Lembre-se de seguir as orientações para execução e envio das atividades apresentadas no início do curso.

Agora, acesse o AVA para enviar sua atividade.