Doutoranda da ENSP é premiada por artigo sobre Odontologia no combate à violência de gênero

Atualizado em 04/02/2025

Por Barbara Souza

Lesões na face, na cabeça, no pescoço e na boca podem ser graves consequências de atos violentos praticados contra mulheres. Por isso, os cirurgiões-dentistas têm uma posição privilegiada para acolher, diagnosticar, tratar, notificar e encaminhar casos suspeitos ou confirmados de violência de gênero. Dedicada a uma pesquisa que busca aprimorar a atuação desses profissionais no combate ao problema, Lucia Helena Ancillotti, doutoranda da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), recebeu o Prêmio Elisa Frota Pessoa, oferecido pelo Museu do Amanhã em parceria com a Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. A aluna do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP venceu na categoria Doutorado, na área de Ciências Biológicas. 

“A face é o alvo mais recorrente neste tipo de violência, uma vez que o agressor deseja impor sua força e evidenciar a fragilidade da mulher e, ao mesmo tempo, distanciá-la socialmente, causando danos psicológicos, estéticos e morais”, explica a autora do artigo premiado Desenvolvimento e validação de instrumento marcador de violência de gênero através de lesões orofaciais. O trabalho é fruto da pesquisa que Lucia Ancillotti realiza sob orientação do professor Aldo Pacheco Ferreira (CLAVES/ENSP/Fiocruz) e coorientação da professora Andreia Cristina Breda de Souza, da Faculdade de Odontologia da UFRJ e chefe do serviço de Odontologia Forense do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto.

Uma preocupação alertada por Ancillotti é a subnotificação, um empecilho para o enfrentamento da violência de gênero, seja no âmbito da saúde ou da segurança públicas. Uma das hipóteses da pesquisa é que os cirurgiões-dentistas não recebem orientação adequada sobre o assunto na graduação, menos ainda sobre como fazer a notificação compulsória. “Desse modo, eles não cumprem com esse dever exigido por lei, por não se sentirem e não estarem aptos a notificar os casos, ”, pontua a doutoranda ao lamentar que isso ocorre apesar do papel fundamental desses profissionais na identificação de lesões resultantes da violência contra a mulher. Com base em sua trajetória como coordenadora de saúde coletiva do Projeto de Extensão Metamorfose, da Faculdade de Odontologia da UFRJ, que presta atendimento odontológico às mulheres com lesões orofaciais decorrentes de traumas provocados por violência de gênero, a autora acredita que os profissionais da área não têm consciência do seu potencial de apoiar o enfrentamento à questão. “Identifiquei algumas lacunas importantes na formação dos CDs nesta temática”, resume.

Além de subsidiar medidas socioeducativas que auxiliem na formação destes profissionais, o instrumento desenvolvido pela autora e apresentado no artigo que lhe rendeu o prêmio propõe-se a auxiliar na formulação de políticas públicas de saúde e segurança, por meio de melhoria nas notificações dos casos pelos CDs. A expectativa é que o instrumento seja aplicado em profissionais voluntários, que atuem clinicamente no SUS e no âmbito privado. “A ideia é conhecer o entendimento e o envolvimento do CD nos casos. Após a análise dos dados, serão propostas estratégias para sensibilização dos profissionais quanto à temática, para humanizar o acolhimento e ampliar a compreensão sobre a importância da notificação e encaminhamento aos órgãos competentes”, detalha a Lucia Ancillotti. 

Ao parabenizá-la, o coordenador do Programa de Pós-Graduação Acadêmico de Saúde Pública da ENSP afirma que o estudo premiado se alinha aos objetivos institucionais da Escola e da Fiocruz. “É um trabalho que traduz o impacto social gerado pelo esforço da instituição e do nosso PPG em Saúde Pública, que é um dos mais antigos do Brasil. Portanto, o estudo coaduna com os objetivos da Escola e do SUS, marcados pela defesa dos direitos humanos e do direito à saúde”, celebra Rondineli Mendes da Silva ao afirmar ainda que “é gratificante podermos contar com trabalhos com essa perspectiva”. 

Para o coordenador, o trabalho de Lucia Ancillotti tem grande relevância por desenvolver um instrumento para aumentar a identificação de casos de violência de gênero. “A pesquisa é voltada especialmente para os cirurgiões-dentistas, profissionais de saúde que atuam na linha de frente lidando recorrentemente com esse tipo de situação”, comenta Rondineli. Ele destaca que o prêmio recebido pela aluna também prestigia o corpo docente, o orientador da doutoranda, Aldo Pacheco, e, principalmente, o empenho dela “nesse trabalho de fôlego com um tema tão sensível”. 

Em breve, o artigo premiado será publicado num livro pelo Museu do Amanhã em parceria com a Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia do Rio, como parte da premiação. Outro trabalho também resultante da pesquisa de Doutorado de Ancillotti foi publicado como capítulo de livro pela Academia de Odontologia do Rio de Janeiro, em 2023. 

A cerimônia de entrega do 2º Prêmio Elisa Frota Pessoa foi realizada em 26 de novembro, no Museu do Amanhã. O evento celebrou a excelência acadêmica feminina, com a participação de 24 artigos científicos de estudantes de graduação, mestrado e doutorado nas áreas de Ciências Sociais Aplicadas, Biológicas, Exatas e Humanas. Sob o tema “A Ciência e a Tecnologia na promoção da igualdade de gênero”, a premiação teve como objetivo valorizar a produção científica feita por mulheres, promover o reconhecimento e a divulgação de trabalhos acadêmicos de destaque e inspirar jovens pesquisadoras a integrarem a Academia. 

*Com informações do Conselho Regional de Odontologia do Rio de Janeiro e do Museu do Amanhã