Doença de Haff no Pará: pesquisa analisa desafios e tendências no combate a uma síndrome emergente

Atualizado em 11/03/2025

*Por Tatiane Vargas

Pesquisa revela padrões geoespaciais e epidemiológicos da doença rara, identificando desafios na vigilância, subnotificação e fatores socioeconômicos que influenciam a saúde pública no estado.

A Doença de Haff (DH), uma síndrome rara e emergente associada ao consumo de peixes e crustáceos contaminados, tem se tornado uma preocupação crescente para a saúde pública no estado do Pará. Uma pesquisa recente, defendida no âmbito do Programa Educacional de Vigilância em Saúde nas Fronteiras, traz importantes contribuições para entender a distribuição geoespacial e os desafios epidemiológicos dessa condição no território paraense. 

A tese de doutorado em Saúde Pública e Meio Ambiente, desenvolvida por Deisiane Serfaty, com orientação da pesquisadora da ENSP, Débora Cynamon, analisou os primeiros três anos de vigilância da DH no estado, de 2021 a 2023. A tese foi a primeira a ser defendida no âmbito do Programa VigiFronteiras-Brasil, uma iniciativa da Fiocruz em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e a OPAS.

Descrita pela primeira vez no Brasil em 2008, a Doença de Haff é caracterizada por rabdomiólise súbita, com início após o consumo de pescado contaminado. Desde 2021, a notificação da doença tornou-se obrigatória no Pará, e a pesquisa foi motivada pela experiência da autora na vigilância epidemiológica do estado, onde acompanhou a implementação do sistema de notificação da DH. A análise de 169 casos notificados durante esse período revelou padrões interessantes sobre a prevalência e distribuição da doença. 

Dos casos analisados, 142 foram classificados como compatíveis com a DH, com predominância entre homens (64,7%) e na faixa etária de 50 a 59 anos (36%). A maioria dos casos ocorreu em áreas urbanas, refletindo a distribuição populacional do estado. A pesquisa também identificou sintomas mais frequentes como mialgia intensa, astenia e dores no pescoço e tórax, com um tempo médio de quatro horas entre o consumo de pescado e o início dos sintomas. 

Outro dado relevante da pesquisa é a sazonalidade da doença. Foi observado um aumento no número de casos durante o verão amazônico, período de intensificação do consumo de pescado. Além disso, a análise geoespacial revelou uma maior concentração de casos em municípios próximos a corpos hídricos, como Belterra e Santarém, que indicam possíveis focos de contaminação ou maior risco devido aos hábitos alimentares locais. 

A pesquisa também destaca as dificuldades no enfrentamento da Doença de Haff, como a subnotificação de casos, o desconhecimento da doença por parte de profissionais de saúde e a ausência de um agente etiológico definido. “A falta de conhecimento sobre o agente causador, possivelmente uma toxina termoestável presente em peixes contaminados, torna a formulação de estratégias preventivas mais desafiadora”, alertou a autora da pesquisa. 

De acordo com os resultados do estudo, a DH representa um problema significativo de saúde pública no Pará, agravado pela dependência alimentar de pescado da população local e pela falta de vigilância específica. “A pesquisa conclui que é necessário um fortalecimento da vigilância epidemiológica, com a integração entre as áreas ambiental, sanitária e epidemiológica, além do desenvolvimento de campanhas educativas para aumentar a conscientização tanto da população quanto dos profissionais de saúde”, destacou Deisiane. 

A autora também sugere investimentos em pesquisa para identificar de forma definitiva o agente etiológico e os mecanismos de transmissão da doença, a fim de prevenir surtos futuros e mitigar os impactos na saúde da população paraense. Com isso, o estudo contribui para a compreensão do cenário epidemiológico e geoespacial da Doença de Haff e oferece subsídios importantes para a formulação de políticas públicas mais eficazes no enfrentamento da síndrome.