Módulo 3 – Territórios sustentáveis e saudáveis

(Re)existências: saberes dos povos e cuidados com os territórios

A comida de verdade combina o trabalho das famílias agricultoras, realizado desde os diferentes territórios, com a promoção de alimentos saudáveis pela população. Mas essa comida não alimenta só o corpo, também nutre a cura. É o que nos explica a indígena Célia Xakriabá, do povo Xakriabá, do norte de Minas Gerais, cerrado brasileiro, em sua fala no vídeo de abertura do seminário Contribuições para o debate sobre abastecimento alimentar no Brasil . Destacamos o seguinte trecho, para reflexão:

A melhor alimentação, a que dá sustância para o corpo, é aquela em que o prato é diverso, que o prato é colorido. As pessoas também precisam pensar assim a terra, é urgente a humanidade retomar, não somente o afeto da produção e do preparar dos alimentos, mas, sobretudo, a aproximação da semente e da terra. Aquele que não consegue escutar o clamor da terra, o chamado da terra, e dos povos indígenas que estão sendo queimados, desmatados, envenenados, não consegue escutar o clamor de mais ninguém. A cura da humanidade está na capacidade de reativar este princípio de ser humano (XAKRIABÁ, 2020).

Sendo assim, só é possível cuidar do território pelo reconhecimento da sua diversidade social e ecológica, suas cores e formas, e, ao mesmo tempo, pela defesa contra as violências em curso, perpetradas por modelos hegemônicos de desenvolvimento. Diante das relações desiguais de poder, os povos e comunidades tradicionais e as famílias agricultoras têm construído práticas cotidianas de (re)existência.

Para saber mais

A Fiocruz, aliada a uma rede parceiros, é responsável pela curadoria do Mapa de Conflitos de Injustiça Ambiental , que reúne informações sobre populações discriminadas e invisibilizadas pelas instituições e pela mídia, tornando públicas as injustiças e os crimes enfrentados nos diferentes territórios do Brasil.

As (re)existências reafirmam modos de vida, que são as formas como esses povos e comunidades tradicionais têm se apropriado do território e construído, por meio de seus saberes, uma paisagem na qual natureza e cultura são entes inseparáveis. As práticas tradicionais e os saberes vivos dos povos são importantes expressões de seus modos de vida. Veja a seguir a definição de cultura produzida pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) :

A cultura na agroecologia ou a agroecologia enquanto cultura se expressa nos saberes dos povos nos diferentes territórios, na estreita associação com seus modos de vida, as estratégias de convivência e relação com a natureza, suas crenças, cantos e moradas. A cultura alimenta o saber, anima a troca e interação entre diferentes saberes, mantém viva a relação dos sujeitos coletivos e seu entendimento enquanto povo. A cultura, entendida como matriz cultural, da semente à mesa, dos festejos de plantio, colheita e fé, expressões artísticas e manifestações populares – o que define a identidade de um povo (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGROECOLOGIA [(2022)].

Depois de conhecer um pouco mais sobre saberes, cultura, modos de vida e expressões dos territórios, assista ao vídeo Preservar é resistir – em defesa dos territórios tradicionais, produzido no âmbito da campanha mobilizada pelo Fórum de Comunidades Tradicionais (FTC), e conheça, na voz e encantarias dos povos e comunidades do território da Bocaina, como os saberes tradicionais e a conservação da natureza só podem ser compreendidos juntos.

Vídeo Preservar é Resistir

Defesa da natureza e dos saberes: uma responsabilidade coletiva

Em 2021, um relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura , o qual avalia a situação das florestas no mundo, concluiu que as florestas verdadeiramente preservadas estão onde vivem também os povos e comunidades tradicionais.

Foto de homem em um terreno arenoso manipulando uma ferramenta para construção do TVAP.

Fonte: Amazônia Real (2018).
Foto: Bruno Kelly.

No Vale do Ribeira, sul do estado de São Paulo, no bioma da Mata Atlântica, vivem diversos povos indígenas, quilombolas, caiçaras e agricultores familiares. Ali, ao longo de mais de três séculos, o povo negro tem construído seu território, seja afugentando-se da escravidão, seja encontrando seu lugar no período pós-abolicionista.

A relação secular com a floresta foi o que permitiu o desenvolvimento de uma agricultura itinerante, também aprendida com os indígenas da região, as chamadas roças de coivaras, como pode ser visto no vídeo sobre o sistema agrícola quilombola.

Vídeo Sistema Agrícola Quilombola

Combinando o cuidado da floresta com práticas tradicionais, as famílias quilombolas produzem seus alimentos e comercializam o excedente em feiras, garantindo geração de renda e comida de verdade. Essa tecnologia secular, o Sistema Tradicional do Vale do Ribeira, foi identificada como um patrimônio cultural do Brasil, pelo Instituto de Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (Iphan), estratégia que visa reconhecer e valorizar esses saberes.

Os processos de reconhecimento como os do Iphan são importantes ao reconhecerem, junto ao Estado, o quão fundamental é defender e apoiar os povos e comunidades tradicionais. No entanto, isso não é uma realidade generalizada. Ao contrário, o que se identifica no nosso país são processos de descaso, criminalização e preconceitos.

Foto de homem em um terreno arenoso manipulando uma ferramenta para construção do TVAP.

Fonte: Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado (2022).
Crédito: Estúdio Massa.

Redes da sociedade civil têm se formado para coletivamente denunciar crimes cometidos contra os povos e comunidades tradicionais e anunciar como suas práticas culturais e ancestrais são o principal caminho para a preservação da natureza e garantia da qualidade de vida para toda a população brasileira. É a isso que a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado tem se dedicado, especialmente com a organização do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) .

Assista ao vídeo Nós fazemos justiça que brota da Terra!, produzido pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que apresenta o que é o tribunal e quais são seus sentidos na defesa dos povos e comunidades tradicionais e do Cerrado, uma das regiões de maior diversidade biológica do mundo.

Vídeo Nós fazemos a Justiça que brota da Terra!
Para saber mais
Foto de homem em um terreno arenoso manipulando uma ferramenta para construção do TVAP.

Buscando propiciar um lugar de escuta dos representantes dos diversos povos e comunidades do Cerrado sobre sua leitura política a respeito de seus modos de vida, suas práticas de manejo e suas tradições socioculturais, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado organizou uma publicação que reúne uma coleção de artigos sobre os saberes populares e diversidade nos cerrados . Recomendamos a leitura!

Atividade 1

Agora é hora de conectar os debates sobre territórios, saúde, agroecologia e comida de verdade com seu Pats.

1. Quais são as principais características da área do seu plano de ação? Considere, no seu levantamento de informações, por exemplo:

  • quem são as pessoas que ali vivem;
  • um pouco da história de ocupação desse local;
  • as formas de organização coletiva;
  • as atividades socioprodutivas desenvolvidas;
  • aquilo que ameaça ou impõe limites às formas de vida aí praticadas, em caso de identificação de conflitos.

2. Há relação entre as ideias aqui apresentadas sobre território e o local para o qual você está estruturando seu plano de ação? Descreva as principais formas de cuidado com o território praticadas onde você desenvolverá seu Pats, incluindo alguns dos elementos culturais envolvidos. Lembre-se de que diferentes formas podem ser identificadas, como a produção de alimentos típicos, festas, práticas religiosas e tantas outras.

Esta atividade irá subsidiar os itens 1 e 2 do Pats, referentes ao diagnóstico da comunidade/território, e seleção de uma tecnologia social e como ela poderia solucionar problemas concretos nesse território.

Lembre-se de seguir as orientações para execução e envio das atividades apresentadas no início do curso.

Acesse o AVA para enviar sua atividade.