Módulo 4 – Tecnologias sociais para a promoção da saúde

Tecnologias sociais para a promoção da saúde e ação territorializada do OTSS

As tecnologias sociais são instrumentos importantes para a promoção da autonomia comunitária, contribuindo para diversas áreas do desenvolvimento humano, em especial para a promoção da saúde e melhoria das condições de vida e redução das desigualdades.

Mas você sabe o que são tecnologias sociais

Ponto de interrogação

De uma forma lúdica e leve, o vídeo Tecnologias para o bem viver, da Articulação do Semiárido (ASA), nos apresenta alguns exemplos de como as tecnologias sociais podem contribuir para a perspectiva do bem viver e integrar a construção dos processos de implementação. Confira!

São inúmeros os conceitos de tecnologia social. Destacamos as reflexões e práticas de Gallo e Nascimento (2019), nas quais as tecnologias sociais são, ao mesmo tempo, instrumento e interface de ações que têm por base e são construtoras de territórios sustentáveis e saudáveis e de bem viver.

Construir territórios sustentáveis e saudáveis exige uma apropriação crítica pelos sujeitos a partir da ecologia de saberes e por meio de uma pedagogia da autonomia, resultando em governança local solidária, produção sustentável e políticas efetivas de cidadania. Portanto, nosso processo de criação de soluções precisou ser pautado pelo empoderamento e produção de autonomia, equidade e sustentabilidade, buscando construir cartografias epistemolgicas contra-hegemônicas derivadas do cotidiano reinventado criticamente (GALLO et al. 2012 apud GALLO; NASCIMENTO, 2019, p. 144).

Nós, do OTSS, construímos ao longo de nossas práticas o entendimento exposto anteriormente, que nos contempla e nos reorienta, na medida em que a complexidade de nossas ações se amplia. Para isso, dialogamos com diversas experiências teórico-metodológicas similares, e essa ideia está expressa no texto Sobre o marco analítico-conceitual da tecnologia social , escrito por Dagnino, Brandão e Novaes (2004), que contextualiza a história, a metodologia, a articulação, a reflexão e os conceitos das tecnologias.

Os processos participativos são premissa e fio condutor do resultado das tecnologias sociais. Somos inspirados por Paulo Freire, que diz: “ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar” (FREIRE, 2000).

O resultado da tecnologia social é apenas uma parte do processo. Dizer isso é dialogar diretamente com a premissa de que a apropriação dos atores que utilizarão as ferramentas, a fim de satisfazer suas necessidades, é tão importante quanto o resultado final, e essa apropriação se dá na participação e no engajamento das comunidades.

O processo de construção do conhecimento agroecológico é resultante do fortalecimento dos processos locais de inovação, melhorados pela vivência das famílias e comunidades rurais que podem se organizar em redes locais de experimentação, compartilhamento, intercâmbios de experiências e de organização social. Para Guzmán (2001) é o desenvolvimento participativo de tecnologias agrícolas que permitirá que, fortalecendo a capacidade local de experimentação, adaptação e inovação dos próprios agricultores, se articulem conhecimentos locais e conhecimentos externos ampliando o acervo cultural de saberes de acordo com os valores específicos de cada comunidade. Assim, o processo de construção do conhecimento agroecológico é resultante do fortalecimento dos processos locais de inovação, melhorados pela vivência das famílias e comunidades rurais que podem se organizar em redes locais de experimentação, compartilhamento, intercâmbios de experiências e de organização social (OLIVEIRA et al., 2017, p.3).

Para saber mais

Caso queira aprofundar seus estudos sobre processos em tecnologias sociais, recomendamos o texto Diálogos entre educação-pesquisa-extensão: contraponto ao processo convencional de transferência de tecnologia no Território do Alto Sertão Sergipano .

Trazer à luz essa reflexão traduz a iminência da tecnologia social como uma solução com potencial de ser adotada e readaptada por diferentes localidades. Portanto, uma solução possível para problemas similares. E a readaptação para problemas similares só é possível se a participação e o engajamento comunitários forem mobilizados e articulados, pois os detalhes e as miudezas que estão fora do campo de visão dos técnicos se complementam com os saberes populares e tradicionais. Em resumo, é preciso que as consultas, validações e participação nos processos sejam constantes com a corresponsabilidade sociotécnica das comunidades na melhoria, manutenção e manuseio das tecnologias sociais que são implementadas em seus territórios.

Foto: Eduardo Di Napoli.

A relação entre técnicos e comunitários potencializa a adequação e a implementação de uma tecnologia social. Essa relação se faz por meio de debate horizontal entre os envolvidos. 

As ações não devem ser restritas às pontuais, voluntárias e/ou individuais, e precisam também, por vezes, dialogar com ações que fazem parte das responsabilidades indelegáveis do Estado. São imprescindíveis: o diálogo entre os saberes populares, técnicos e acadêmicos, a noção de que as dimensões humana e social devem estar em primeiro plano e a valorização do conhecimento existente na comunidade.

Assim, os processos de implementação de tecnologias sociais no OTSS têm de atender aos seguintes critérios:

Ser desenvolvidos e/ou adaptados em conjunto com os atores.

Ser adaptáveis e flexíveis às realidades e especificidades.

Ter alto potencial de reaplicação.

Considerar os atores sociais como portadores do futuro.

Estar orientados para o mercado interno.

Ilustrações: Camila Schindler

Vamos aprofundar esse assunto assistindo ao vídeo Rede de agroecologia povos da mata e conhecendo uma experiência de certificação coletiva participante que viabiliza a comercialização e produção em rede.

Como você viu, uma importante iniciativa no âmbito das tecnologias sociais é a participação e o engajamento coletivo, além da capacidade de serem disseminadas. No caso da disseminação de tecnologias sociais, entre as estratégias para que isso ocorra está o uso de bibliotecas virtuais.

Uma das iniciativas mais conhecidas é a da Fundação Banco do Brasil (FBB). Assista ao vídeo Você sabe o que é tecnologia social?, que explica como funciona essa ideia.

A difusão das tecnologias sociais permite elaboração, adaptação, assessoria, metodologia, desenvolvimento e melhoria de produção, comercialização, organização e gestão coletivas na agroecologia.

Tecnologias sociais como ferramentas de gestão territorial para a promoção da saúde

Quando falamos em gestão territorial, estamos nos referindo ao ato de conduzir um determinado território em direção ao desejo comum das pessoas que vivem naquele local. No caso da Bocaina, o desejo comum das comunidades tradicionais é o de permanecer no território.

A governança territorial está no centro da proposta do OTSS, e é o que possibilita efetivar a transformação dos espaços, com base na ideia de incorporar novos valores para uma vida saudável e sustentável. Assista ao vídeo Como a gestão territorial pode ser resposta para dilemas que enxergamos no nível nacional e mundial?, no qual Edmundo Gallo fala sobre governança viva, cosmologia dos povos tradicionais e apropriação consciente dos territórios.

Defendemos, ao longo deste curso, que a principal estratégia para alcançarmos uma efetiva gestão territorial é a adoção de diferentes tecnologias sociais – em distintas áreas ou na relação entre elas. Essas tecnologias devem considerar as demandas reais das comunidades que vivem no território, permitindo a construção de diálogo entre diferentes escalas de políticas púbicas: local municipal estadual  nacional  global.

Sua efetividade, entretanto, dependerá de seu rebatimento sobre o território, de sua expressão em agendas territorializadas, cuja governança e gestão estratégica, em especial a avaliação de efetividade, são os desafios mais relevantes, demandando objetivos, metas e estratégias matriciais capazes de articular os pilares do desenvolvimento sustentável (GALLO; SETTI, 2014, p. 39).

Para saber mais

Conheça os aprendizados do Quilombo do Campinho da Independência . Lá, a ressignificação do cultivo da palmeira juçara permitiu a manutenção dessa comunidade!

Um importante instrumento para alcançar a gestão territorial por meio das tecnologias sociais é a sua rotineira caracterização, com base no uso de ferramentas de localização espacial, em especial do GPS. No entanto, a simples localização das diferentes tecnologias sociais não é suficiente para a constituição de uma gestão territorial. É preciso produzir elementos que contribuam para o desenvolvimento e a reaplicação de tecnologias em diversos contextos e comunidades. Ou seja, é necessário promover o diálogo entre várias iniciativas e construir canais de reaplicação em realidades distintas, tendo sempre o interesse do território como centro dessa organização.

Foto: Eduardo Di Napoli.

Atividade de caracterização do território por seus habitantes.

Para saber mais

Por meio de uma lógica participativa e compartilhada, o Projeto Povos tenta responder a algumas perguntas que ajudam a caracterizar os territórios de 64 comunidades tradicionais indígenas, caiçaras e quilombolas de Angra dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP). Conheça algumas de suas publicações clicando nas imagens a seguir:

Nossa perspectiva é a de que a crescente autonomia local para lidar com as demandas que surgem de necessidades concretas – geridas com base no diálogo de interesses, na luta política e nas possibilidades de determinado território – é um dos caminhos para construir modelos de reprodução da vida que possam fazer frente ao modelo hegemônico que considera o lucro como único fim legítimo.

Para nós, o objetivo legitimo é a reprodução da vida a partir do respeito aos modos tradicionais de vida das comunidades e de seus habitantes.

Veremos a seguir como são estruturadas as metodologias participativas nas ações territorializadas do OTSS em busca da promoção de territórios sustentáveis e saudáveis.

Estruturação dos processos participativos

Estruturar processos participativos significa planejar, organizar e mobilizar todos os recursos necessários com vistas ao compartilhamento de saberes e de como esses saberes fortalecerão determinadas comunidades.

No OTSS, os intercâmbios e partilhas são ferramentas dinâmicas de interação, desenvolvimento, transferência e apropriação da tecnologia. São processos estruturados, em que há organização prévia de um roteiro metodológico, construção de objetivos, mobilização dos atores e o que é importante para o espaço/território.

A partilha é uma metodologia que potencializa a transmissão de saberes entre as comunidades tradicionais. Nela, uma comunidade apresenta a sua experiência sobre determinada temática e, a partir dessa narrativa, constitui-se um diálogo com as demais experiências presentes, analisando, por exemplo, como em outros territórios tal conhecimento e/ou prática aparece e quais os desafios e potencialidades existentes em cada contexto.

Com essa metodologia objetivamos, ainda, o fortalecimento das relações entre comunidades com modos de vida e práticas culturais similares.

A experiência das partilhas tem promovido importantes espaços de troca de conhecimentos entre gerações e territórios, ressaltando o senso de pertencimento e intimidade que os comunitários têm com seu território e ampliando o diálogo entre as comunidades tradicionais numa perspectiva de construir estratégias de fortalecimento mútuo e agendas comuns.

O intercâmbio é muito similar à partilha. A diferença é que na partilha avaliamos coletivamente processos já existentes e similares, com a finalidade de realizar melhorias nos processos e acompanhar as alterações realizadas, até que tenham êxito. Já o intercâmbio se baseia na exposição de saberes consolidados em uma determinada comunidade e faltantes em outra, o que podemos denominar transferência tecnológica.

Transferência e transição tecnológica

Para entender esse ponto, sugerimos que você assista ao vídeo Transição agroecológica em Terra Vista, com o mestre Joelson Ferreira (campesino do MST no assentamento Terra Vista), no qual ele explica, para aqueles que buscam autonomia da terra e território, a importância do trabalho de transição agroecológica.

Promover mudanças no campo da construção do conhecimento para implementação de tecnologias sociais requer desconstruir a noção de "transferência" de conhecimento, substituindo-a por uma noção de construção coletiva dele, de forma adaptada a cada território. Como apontado por Guattari (1990), há uma distância profunda entre as tecnologias desenvolvidas para resolver as questões ambientais e a transferência delas para a população. A noção de transferência de conhecimento alimenta uma baixa capacidade de organização social nas comunidades, o que reduz o potencial de formações subjetivas necessárias para que elas se apropriem desses meios em seus territórios, com conscientização (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p. 146).

No OTSS, preferimos trabalhar com a noção de transição, e não de transferência tecnológica.

Todos os projetos do Núcleo de Transição Tecnológica do OTSS (NTT/OTSS) contemplam uma articulação ético-política, denominada por Guattari (1990) de ecosofia. Estabelecemos ações que contemplem o cuidado com a natureza, mas também a conscientização dos atores sociais por meio de uma abordagem integral, percebendo-os não apenas como receptores, mas como coautores, como parte integrante da tecnologia social em construção.
Envolver os indivíduos em todos os campos da ação propicia um desenvolvimento coletivo, instiga reflexões que geram uma apropriação real da tecnologia como proposto por Paulo Freire – por meio da “práxis”, de uma ação consciente que reflete sobre o processo, e considera os indivíduos de um território que é vivo, onde podem assumir seu papel de protagonistas (FREIRE, 2016). (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p.146-147).

Metodologia campesino a campesino

A metodologia campesino a campesino, bastante desenvolvida em países da América Latina, tem como objetivo estabelecer o compartilhamento de conhecimentos com o protagonismo dos comunitários nos temas abordados, favorecendo a apropriação crítica de seu território (HOLT-GIMÉNEZ, 2008, p. 31 apud GALLO; NASCIMENTO, 2019, p. 155). Combinando teoria e prática, campesino a campesino extrai conhecimentos de suas fontes campesinas, de técnicos e de pesquisadores. Nesse sentido, pode-se dizer que é uma “comunidade epistemológica” que gera e compartilha conhecimento para alcançar seus fins. É uma pedagogia que se sustenta na práxis camponesa (HOLT-GIMÉNEZ, 2018).

É nesse encontro teórico-metodológico – educação popular, ecologia de saberes e campesino-a-campesino – que as partilhas nasceram. Elas são encontros em que se busca articular, qualificar e replicar as experiências existentes e impulsionar a definição das estratégias dos focos de ação no território. Isso se dá por meio da criação de condições para que ocorra a vivência, por outros comunitários, das experiências de cada comunidade, e, ao final de cada partilha, seja pactuada uma agenda comum e sua implementação (GALLO; NASCIMENTO, 2019).

Para saber mais

Caso queira entender um pouco mais sobre o assunto, assista ao vídeo Fundamentos de la metodología campesino a campesino .

Até aqui, estudamos tecnologias sociais e as estratégias de disseminação. No próximo módulo vamos ver uma experiência de estruturação e metodologia dessas estratégias de disseminação, a partir da experiência da Incubadora de Tecnologias Sociais. Mas, antes, propomos que você reflita sobre tecnologias sociais na sua comunidade, realizando a atividade a seguir.

Atividade 1

Para consolidar o seu aprendizado sobre o que foi visto a respeito do tema, comente cada uma das questões:

  • Observe a sua comunidade de atuação e descreva uma prática, um produto ou processo relacionado à saúde e à agroecologia que poderia ser adaptado para outras comunidades (exemplos: uso de plantas medicinais, quintais produtivos, comercialização agroecológica coletiva, feiras etc.).
  • Essas práticas, produtos ou processos foram desenvolvidos com a comunidade? Que atores, instituições estiveram envolvidos nessa ação?

Esta atividade irá subsidiar o item 4 do Pats, sobre viabilidade para esse processo (atores-chave envolvidos, instituições, parcerias).

Lembre-se de seguir as orientações para execução e envio das atividades apresentadas no início do curso.

Acesse o AVA para enviar sua atividade.