Quando falamos de incubação de tecnologias sociais, estamos nos referindo ao suporte necessário para que essas ferramentas possam ser desenvolvidas e readaptadas em determinado território. A incubação tem como propósito estruturar, planejar e amparar o processo de implantação da tecnologia social de maneira a facilitar a articulação e os saberes necessários para o resultado desejado. Também auxilia na viabilização de insumos para a sua implementação.
O podcast Vozes dos territórios apresenta a Incubadora de Tecnologias Sociais do OTSS e suas metodologias – algumas delas já vistas na primeira seção – nas suas quatro frentes de atuação: agroecologia, pesca e maricultura artesanal, saneamento ecológico e turismo de base comunitária.
É importante destacar que existem diversos modos de incubação, que, no geral, dialogam com o apoio para o desenvolvimento de iniciativas. Majoritariamente, as incubadoras trabalham com a premissa de desenvolvimento e viabilidade econômica de empreendimentos.
Outro conceito importante articulado com as incubadoras é o de economia solidária. Mais que um conceito, foi uma política pública importante de fomento ao desenvolvimento local e geração de trabalho e renda.
Na atual lógica em que a competição e o individualismo são a tônica dos processos econômicos, a economia solidária reorienta as bases econômicas para uma alternativa, na qual a solidariedade e a organização dos trabalhadores e trabalhadoras por meio do cooperativismo e associativismo podem produzir e reproduzir renda e trabalho, respeitando seus modos de vida, culturas e condições. Então, quando tratamos de empreendimentos na perspectiva da economia solidária, estamos tratando de empreendimentos coletivos, solidários, comunitários, cooperativos e associativos que funcionam e existem dentro e fora da formalidade jurídica em diversas atividades.
No caso do OTSS, o conceito de empreendimento é ampliado para inciativas econômicas territorializadas.
Um exemplo de incubação de uma tecnologia social que se baseia na economia solidária é o que documenta a experiência do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (Proninc).
Geralmente, o processo de incubação inclui assessoria e fomento para o funcionamento do empreendimento até que ele alcance sustentabilidade mínima e os atores se apropriem de como realizar a sua manutenção. Desse ponto em diante, o acompanhamento e a assessoria do processo de incubação diminuem de intensidade até finalizar, o que denominamos de desincubação.
O processo de incubação inclui algumas etapas que, a depender da iniciativa e da instituição, podem ser alteradas:
Fonte: Unsplash. | Foto: John Silliman
É importante destacar que há diversos contextos, configurações e cenários para a incubação. No caso das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP), a assessoria se dá com o apoio da universidade por meio de projeto de extensão, com financiamento do governo. No OTSS, esse arranjo muda, pois temos a relação entre instituição de pesquisa e movimento social. Por isso, as tecnologias sociais e metodologias desenvolvidas nas assessorias dialogam diretamente com as bandeiras do movimento social, que têm como centralidade a defesa do território por comunidades tradicionais.
Caso tenha interesse em saber mais sobre as concepções, metodologias e experiências de algumas incubadoras populares, indicamos duas publicações:
O primeiro volume (ADDOR; LARICCHIA, 2018a) traz elementos importantes sobre a avaliação do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (Proninc), um dos principais financiadores das atividades de assessoria para iniciativas populares, no arranjo de interação entre universidade e comunidade. Além disso, apresenta como foram desenvolvidas, pelas universidades, as concepções teórico-metodológicas ao longo dos processos de incubação.
Já no segundo volume (ADDOR; LARICCHIA, 2018b), veremos que a prática orientou as reflexões e os processos teórico-metodológicos nas incubadoras tecnológicas de economia solidária.
Vimos até agora alguns conceitos e exemplos de tecnologias sociais e processos de incubação. Já podemos perceber que a incubação tem os seus limites de recursos, tempo, projeto e atribuições que são do poder público ou de determinada política pública. Na época em que as incubadoras estavam começando, a garantia de direitos e acesso a políticas públicas foi um dos fatores determinantes no fortalecimento das iniciativas populares. A configuração e o cenário político da época permitiram uma série de avanços, desafios e reflexões, no caso das incubadoras de iniciativas populares, principalmente a relação entre universidade e comunidade.
A Incubadora de Tecnologias Sociais do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina elabora, desenvolve e amplia o uso e a apropriação de tecnologias sociais no território. Adapta, molda e replica as tecnologias sociais, considerando as especificidades, para que atendam as singularidades locais.
Foto: OTSS Bocaina.
A ITS tem como objetivo ampliar, fortalecer e viabilizar os arranjos produtivos populares, processos políticos, educação popular e infraestrutura relacionados a pesca artesanal, turismo de base comunitária, produção agroecológica, pequenos empreendimentos, beneficiamento de itens altamente perecíveis, artesanato, distribuição, escoamento, comércio, relações territoriais. Orienta-se por meio dos princípios da economia solidária e de tecnologias sociais, com vistas à autonomia e à autogestão das comunidades no território da Bocaina.
As frentes da ITS/OTSS são:
Fotos: OTSS Bocaina (1 e 3) e Eduardo Di Napoli (2 e 4).
Todas essas frentes são ferramentas que viabilizam de alguma maneira a permanência, a garantia e/ou a defesa do território tradicional.
Saneamento ecológico
Agroecologia
Pesca e maricultura
atividades de ocupação e desenvolvimento dos territórios
Turismo de base comunitária
ferramenta que faz contraponto ao turismo predatório e à especulação imobiliária
Para entender melhor como as frentes da ITS dialogam com a agenda de defesa do território do Fórum de Comunidades Tradicionais, assista ao breve documentário Territórios, identidade e tradição, produzido pelo Projeto Povos, que tem como premissa a caracterização das comunidades tradicionais da Bocaina.
A incubação de tecnologias sociais pode ocorrer de diferentes formas. Mas a principal característica a ser observada e seguida, na perspectiva do OTSS, é o protagonismo das comunidades.
Isso significa que os projetos devem ser desenvolvidos pelas próprias comunidades, permitindo que elas se apropriem dos mecanismos e processos necessários para a continuidade das tecnologias sociais, depois de findado o período de incubação. Esse é um grande desafio: garantir a continuidade das iniciativas depois que o aporte de recursos da incubação termina.
Por essa razão, a atuação do OTSS na incubação de tecnologias sociais no território da Bocaina parte das seguintes premissas:
[...] integrar saberes e produzir conhecimentos capazes de nortear a construção de tecnologias sociais, as quais devem: integrar-se aos modos de vida dos distintos grupos étnicos; gerar melhoria na qualidade de suas vidas e autonomia sobre as estratégias de manutenção das suas identidades culturais e produtivas; apontar horizontes para os territórios, baseando-se nos princípios da sustentabilidade e da promoção da saúde (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p. 149).
Foto: Eduardo Di Napoli.
Com base nessas ideias, o foco do OTSS está mais voltado para a qualificação de seus pesquisadores comunitários, o apoio à organização comunitária e para a qualificação da gestão dessas iniciativas do que para a injeção de recursos e execução direta de obras e projetos. Isto é, estamos mais preocupados com os processos e mecanismos de incubação que garantam a continuidade das tecnologias sociais do que meramente na transferência de recursos materiais e financeiros, que, apesar de serem importantes, por si só não asseguram a implementação e a continuidade de tais iniciativas sociais.
O acesso a recursos é importante para a execução de projetos transformadores. Mas, com base em inúmeras vivências, voltamos a afirmar que o principal aspecto é o protagonismo dos atores e o empoderamento das comunidades em relação aos processos desenvolvidos nos territórios.
As especificidades das comunidades tradicionais, as relações que têm com a natureza e, especialmente, com o território onde estão, o legado ancestral, cultural e a organização social que caracterizam o modo de vida desses grupos compõem a linha de base que norteia a construção dessa abordagem. Essa preocupação fica muito clara na fala de Vagner do Nascimento, que ocupa a coordenação do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) e divide a coordenação-geral do OTSS:
E nós sabemos que não podemos fazer como já fizeram no passado, de chegar uma turma na comunidade, fazer uma ação, deixar tudo lá e ir embora, sem empoderar a comunidade em relação àquela ação (GALLO; NASCIMENTO, 2019, p. 20).
Uma vez que as áreas e os projetos atuantes nos territórios identificaram uma série de desafios que incidem na principal agenda – a defesa do território –, o papel da ITS é pensar com as comunidades as ferramentas e interações que viabilizem a superação desse desafio. Por esse motivo, ressaltamos diversas vezes a necessidade de participação e engajamento das comunidades no processo.
Foto: Eduardo Di Napoli.
Como exemplo, apresentamos o caso do Quilombo da Fazenda, em Ubatuba/SP.
O que significa a defesa do território para essa comunidade
Significa, entre outros elementos, a prioridade de caminhar em direção à titulação da terra. Como as tecnologias sociais de agroecologia podem contribuir para isso? Com a ampliação da ocupação territorial, com a vinda de parceiros institucionais potentes e alinhados com as perspectivas da comunidade, com articulação envolvendo organizações que fortaleçam e com instituições que têm responsabilidade nos trâmites, como a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O Quilombo da Fazenda é acompanhado por diversas áreas do OTSS – justiça socioambiental, gestão de saberes, governança e gestão, coordenação de integração territorial – e as subáreas dessas coordenações – como geoprocessamento, assessoria de governança e gestão, grupos de trabalho, entre outras.
Pela Incubadora de Tecnologias Sociais, pela frente de agroecologia, acompanhamos o desenvolvimento dos Planos Agroecológicos Territorializados (PAT), e mais adiante apresentaremos o exemplo do PAT do Quilombo do Campinho, que está em desenvolvimento. Por ora, vale dizer que o processo de incubação de que tratamos anteriormente interage com o PAT, sendo esse um processo de incubação próprio da agroecologia.
É importante dizer também que o PAT que será exemplificado neste material é flexível e que em outras comunidades com as quais trabalhamos mudam a definição de eixos, o diagnóstico e a interação com outras frentes da ITS.
Assista ao vídeo no qual Vagner do Nascimento fala sobre a incubação de projetos no território da Bocaina.
O livro O território pulsa – territórios sustentáveis e saudáveis da Bocaina: soluções para a promoção da saúde e do desenvolvimento sustentável territorializados , organizado por Edmundo Gallo e Vagner do Nascimento (2019, p. 149), aborda tantos aspectos da nossa discussão neste curso, que achamos válido retomá-lo, indicando a leitura da parte que discute a incubação de tecnologias sociais para a promoção da saúde.