Instrumentos de planejamento e de monitoramento e avaliação em saúde pública

O planejamento e o Sistema Único de Saúde​ O que são os instrumentos de planejamento do SUS? Considerações finais ​
  • Elizabeth Moreira dos Santos
  • Luiz Marques Campelo
  • Dolores Maria Franco de Abreu​

O planejamento e o Sistema Único de Saúde​

Como você define planejamento?

Utilize o seu bloco de anotações para construir sua definição.

A palavra planejamento, segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, é definida como “fazer o plano de; definir antecipadamente um conjunto de ações ou intenções; ter algo como intenção” (FERREIRA, 2018), ou seja, é o oposto de improvisar, fazer ao acaso.​

Os primeiros estudos sobre planejamento datam do início do
século XX, entre 1906 e 1916, e foram desenvolvidos por Taylor (Administração Científica) e Fayol (Teoria Clássica da Administração). Ambos engenheiros que entendiam a necessidade de adotar métodos racionais e organizados para obtenção dos resultados de uma tarefa (PEREIRA, 2014).​

De lá para cá, diferentes pensadores e áreas do conhecimento, como administração, economia e ciências sociais, vêm se dedicando ao estudo do planejamento. Embora as definições sejam diversas, é consenso que o planejamento é um processo – ou seja, não é pontual – em que se busca organizar previamente as atividades para a obtenção dos melhores resultados possíveis pretendidos  na  saúde (BRASIL, 2016; PEREIRA, 2014; RIVERA; HARTMAN, 2003).​

O planejamento é fundamental também para o monitoramento e a avaliação. Ouça o áudio no qual Patrícia Pássaro, enfermeira sanitarista, explica a importância do planejamento para a saúde. ​

Transcrição do áudio

O planejamento é um processo contínuo, sistemático e intencional de definição de objetivos e ações para o alcance dos efeitos esperados. Deve contemplar todos os parâmetros para a realização das atividades necessárias.

É nele que são definidos os custos, as atividades, os prazos de execução, os recursos humanos, materiais e financeiros necessários, e o plano de acompanhamento da sua operacionalização. É a partir do planejamento que o monitoramento e a avaliação acontecem.

O monitoramento permite acompanhar a execução do plano e a adoção de medidas corretivas ou desvios de rota necessários para o alcance dos objetivos propostos pelo planejamento.

O planejamento é, portanto, fundamental para o monitoramento e para a avaliação, pois é a partir dele que o gestor pode acompanhar a implementação do plano, o desempenho e o progresso rumo aos objetivos de curto, médio e longos prazos. Nesse sentido, é importante que o monitoramento e a avaliação já sejam pensados desde o momento do planejamento. Ou seja, o planejamento já deve contemplar o processo de monitoramento e de avaliação.

É importante compreendermos que o planejamento, o monitoramento e a avaliação se retroalimentam. Isto é, nós monitoramos e avaliamos o que foi planejado, e planejamos a partir dos achados do monitoramento e da avaliação.

O SUS é constituído de ações e serviços de saúde executados em todo o território nacional.  E para que os resultados dessas práticas sejam os melhores possíveis, é indispensável que haja planejamento.​

As práticas de planejamento no SUS estão incluídas no processo de gestão do sistema. Portanto, são inerentes a ele. No dia a dia dos gestores está a responsabilidade de executar atividades que, ao serem cumpridas, contribuem para a melhoria da qualidade de vida da população. São elas:

Definição de diretrizes
Estabelecimento de objetivos
Pactuação de metas

A Lei Orgânica da Saúde, de 19 de setembro de 1990 (Lei n. 8080/1990), que prevê a elaboração do Plano de Saúde, traz em seu Capítulo III, "Do planejamento e Orçamento", a instituição da lógica de ascendência do planejamento e orçamento no SUS, do nível municipal até o federal (BRASIL, 1990a).

As diretrizes para o processo de planejamento no âmbito do SUS foram instituídas na Portaria n. 3.332, de 28 de dezembro de 2006, e revogada pela Portaria  n. 2.135, de 25 de setembro de 2013, que define os instrumentos de gestão do SUS.

O que são os instrumentos de planejamento do SUS?

Consistem em documentos oficiais e obrigatórios para as três esferas de gestão, que garantem o funcionamento do sistema. São eles:

Como são específicos de cada nível de gestão, há PS, PAS e RAG municipais, estaduais e federal.  Todos se interligam no processo de gestão integrada e ascendente do SUS.

Plano de Saúde (PS)

É o instrumento principal de planejamento para definição e execução das ações de saúde em cada esfera de gestão do SUS.

O PS reúne todas as políticas e os compromissos de saúde da respectiva esfera de gestão, por um período de quatro anos. É elaborado no primeiro ano da gestão em curso e executado a partir do ano seguinte, até o primeiro ano da gestão subsequente. Deve ser submetido à apreciação do respectivo Conselho de Saúde e ter ampla divulgação para a sociedade.

O Plano de Saúde deve conter, minimamente, os seguintes itens:

Identificação da esfera de gestão

A direção do SUS é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelo seu respectivo órgão (BRASIL, 1988).​ Na esfera da União (governo federal), pelo Ministério da Saúde; na esfera estadual e distrital, pela respectiva secretaria estadual de saúde; e na esfera municipal, pela respectiva secretaria municipal de saúde (BRASIL, 1990a).​

Período de vigência

Observe que há uma assincronia entre o período de vigência do plano e o do governo. O do PS se inicia a partir do segundo ano de governo e se finda no primeiro ano do governo subsequente.

Análise da situação de saúde (análise situacional)

Descrita por processos analítico-sintéticos, possibilita a caracterização, medição e explicação do perfil de saúde-doença de uma determinada população, incluindo os agravos, problemas de saúde e seus determinantes (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD, 1999). Permite ainda a identificação de necessidades e prioridades, a seleção de intervenções adequadas e a avaliação dos seus efeitos na saúde (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD, 1999).

Descrita por processos analítico-sintéticos, possibilita a caracterização, medição e explicação do perfil de saúde-doença de uma determinada população, incluindo os agravos, problemas de saúde e seus determinantes (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD, 1999). Permite ainda a identificação de necessidades e prioridades, a seleção de intervenções adequadas e a avaliação dos seus efeitos na saúde (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD, 1999).

Fonte: Brasil (2013).
Diretrizes

Como o próprio nome diz, direcionam, ou seja, são orientações, guias, rumos que definem o caminho a ser seguido pelo plano. ​

As diretrizes do PS são propostas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e pelas Conferências Nacionais de Saúde, realizadas a cada quatro anos.

Objetivos

Expressam o resultado que se deseja alcançar, ou seja, a transformação da situação a qual se propõe modificar.

Metas

Quantificam os objetivos estratégicos priorizados. São organizadas em medidas de mudanças anuais e quadrienais. As metas anuais são entregas gerenciais executadas ano a ano. As quadrienais são entregas analisadas como compromissos legais de governo, usualmente constam do Plano Plurianual (PPA), seguindo o calendário político e orçamentário do país. As metas devem ser estabelecidas realisticamente, considerando os recursos disponíveis e a capacidade operacional das instituições que as executam.

Indicadores

Os indicadores são medidas com significados, e não apenas arranjos numéricos. ​

Eles servem para:

  • medir o trabalho previsto e os efeitos esperados;
  • instrumentar a descrição dos processos e a análise dos efeitos obtidos para subsidiar a tomada de decisão;
  • subsidiar o monitoramento, sinalizando eventos críticos e pontos de atenção;
  • analisar o desempenho organizacional;
  • contribuir para o aprendizado institucional e a incorporação de inovações;

Os indicadores são essenciais nos processos de monitoramento e avaliação, pois permitem acompanhar o alcance das metas.

Estratégias de monitoramento e avaliação

Consideradas fundamentais para a gestão do plano. É importante definir a priori os mecanismos de monitoramento e avaliação para os quatro anos de vigência do Plano de Saúde. Isso possibilitará a identificação de problemas, o controle dos prazos para a execução das ações programadas e o fornecimento de informações para subsidiar a tomada de decisão, em tempo oportuno, e corrigir rumos.

Atenção

Metas são indicadores, mas nem todo indicador é uma meta!
O indicador só se torna meta quando ele quantifica um objetivo. Exemplo:​

Objetivo: realizar oficinas de capacitação em  M&A.​

Meta: realizar 30 (100%) oficinas em M&A no ano em curso.

​Indicador: número de oficinas realizadas no ano em curso ou​percentual de oficinas realizadas no ano em curso.

M&A na prática

Reflita e sistematize, no seu bloco de anotações, o diagnóstico situacional contido no Plano Municipal de Saúde da sua cidade, a partir dos aspectos relacionados a seguir:

  1. Estrutura do sistema de saúde
  2. Redes de atenção à saúde
  3. Condições sociossanitárias
  4. Fluxos de acesso
  5. Recursos financeiros
  6. Gestão do trabalho e da educação na saúde
  7. Ciência, tecnologia, produção e inovação em saúde e gestão
Leitura complementar

É importante compreender a diferença entre a análise situacional de saúde e o diagnóstico
de saúde.

Diagnóstico de saúde Análise situacional de saúde

Documento técnico descritivo, analítico, sobre o perfil epidemiológico, a infraestrutura de equipamentos e serviços de saúde, o grau de incorporação tecnológica, as redes de atenção e seus respectivos indicadores de desempenho, considerando a efetividade, a eficiência e a sustentabilidade.

Descrição analítica elaborada por atores sociais sobre um ou mais problemas, colocando-se como parte integrante da situação-problema e das alternativas de solução. Pressupõe a compreensão dos jogos e as interações entre os diferentes atores sociais, envolvidos e relacionados aos problemas e às soluções, de forma a produzir ou modular a disponibilização de recursos e estimar a mudança esperada.

Programação Anual de Saúde (PAS)

A PAS define as ações e os serviços de saúde que serão executados, no período de um ano
(12 meses) de exercício, para o atingimento das diretrizes, dos objetivos e metas definidos no PS, além de prever a alocação de recursos orçamentários a serem executados.​

Ela estabelece o que será feito e quanto será gasto no período de um ano de exercício financeiro (ano-calendário), e é elaborada no ano em curso para execução no ano subsequente.

Tem como base o PS e se utiliza de critérios de priorização para estabelecer as ações e os serviços que serão executados, além de observar estrita correlação com o Plano Plurianual (PPA) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Plano Plurianual (PPA)

O PPA é um instrumento previsto no art. 165 da Constituição Federal, destinado a organizar e a viabilizar a ação pública, com vistas a cumprir os fundamentos e os objetivos da República. Por meio dele, é declarado o conjunto das políticas públicas do governo para um período de quatro  anos e os caminhos trilhados para viabilizar as metas previstas (BRASIL, 2020a). ​

Lei Orçamentária Anual (LOA)

A LOA estabelece os orçamentos da União, por intermédio dos quais são estimadas as receitas e fixadas as despesas do governo federal. Na sua elaboração, cabe ao Congresso Nacional avaliar e ajustar a proposta do Poder Executivo, assim como faz com o PPA (BRASIL, 2021).  ​

M&A na prática
  1. Com base na análise situacional realizada, reveja a Programação Anual de Saúde (PAS) do seu município. Comente a consistência entre a PAS e a análise situacional.
    Identifique as ações e os serviços previstos, alinhados à LOA e ao PPA.
  2. Identifique, na PAS do seu município, lacunas em serviços, ações e a existência de metas não mensuráveis, pouco específicas e/ou realistas.

Use seu bloco de anotações para fazer os seus registros.

Após realizar a atividade, convidamos você a fazer uma reflexão sobre sua resposta.

Relatório de Gestão (RAG)

O RAG apresenta o alcance das metas propostas e os problemas encontrados na rota para alcançá-las.  Baseia-se nas ações e nos serviços estabelecidos na PAS, no período de um ano.

É o instrumento de prestação de contas dos gestores do SUS à sociedade. Deve ser elaborado por eles e encaminhado para a análise do respectivo Conselho de Saúde, até o dia 30 de março do ano seguinte à execução orçamentária.

O  RAG, além de permitir ao gestor apresentar os resultados alcançados com a execução da PAS, orienta eventuais redirecionamentos que se façam necessários no PS. Portanto, é um instrumento que subsidia a avaliação da gestão por parte das três esferas de gestão.

Observe que o RAG permite a análise da execução de um ano de gestão, retomando as intenções declaradas anteriormente. Assim, além de ser um instrumento de prestação de contas, serve à autoavaliação da gestão e dá transparência pública aos recursos disponibilizados e executados em saúde para toda a população.

M&A na prática

Analise a relação entre o PPA, o PS e a PAS e reflita sobre a importância da convergência entre ações e serviços propostos nos três documentos.

Em seguida, comente sobre a relevância da coerência dessa relação para a transparência do RAG.

Utilize seu bloco de anotações para registrar suas reflexões.

Como comentamos anteriormente, o PS é o instrumento central de planejamento para definição e implementação de todas as iniciativas no âmbito da saúde, de cada esfera da gestão do SUS, para o período de quatro anos. O plano explicita os compromissos do governo para o setor saúde e reflete, a partir da análise situacional, as necessidades de saúde da população e as peculiaridades próprias de cada esfera.

O PS configura-se como base para a execução, o acompanhamento, a avaliação da gestão do sistema de saúde e contempla todas as áreas da atenção à saúde, de modo a garantir a integralidade dessa atenção.

A elaboração do  PS é orientada pelas necessidades de saúde da população, considerando as premissas de governo, as diretrizes do Conselho Nacional de Saúde (Conass) e da Conferência Nacional de Saúde (CNS).

Figura 1 – Orientadores e estrutura do Plano Nacional de Saúde e do Plano Plurianual

Fonte: Brasil ([2019]).
Leitura complementar

Para saber mais sobre a relação e a relevância entre planejamento, monitoramento e avaliação, sugerimos as seguintes leituras:

M&A na prática

Vamos exercitar o que estudamos. Relacione os itens listados a seguir com os respectivos instrumentos de planejamento:

  1. Plano de Saúde
  2. Programação Anual de Saúde
  3. Relatório de Gestão
Metas anuais​
2
Diretrizes
1
Análise de desempenho
2
Objetivos estratégicos quadrienais
1
Diagnóstico situacional
1
Execução física e orçamentária
3
Mudanças inesperadas no diagnóstico situacional
3
Planejamento anual de ações e serviços
2
▲ Preencha todos os campos para conferir suas respostas.
Confira as suas respostas Limpar respostas
Thank you! Your submission has been received!
Oops! Something went wrong while submitting the form.

Como vimos, o planejamento é indispensável para uma boa gestão do SUS. Além dos três instrumentos principais (PS, PAS e RAG), outros documentos ou ferramentas de gestão também são adotadas no processo de planejamento, monitoramento e avaliação do SUS.

Veja no quadro a seguir uma síntese de alguns documentos e ferramentas de gestão e seus respectivos marcos legais.

Quadro 1 – Documentos e ferramentas de gestão do SUS
Expediente Objetivo Marco legal Prazo

Plano de Saúde (PS)

Definir todas as políticas e compromissos de saúde da respectiva esfera de gestão por um período de quatro anos

§ 8° art. 15 Lei n. 8.080, de 1990

1° ano de gestão

Programação Anual de Saúde (PAS)

Operacionalizar as intenções quadrienais expressas no Plano de Saúde (PS)

§ 2° art. 36 LC n. 141, de 2012

Antes da entrega da LDO do exercício correspondente

Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)

Estabelecer as metas e prioridades para o ano seguinte, fixando o montante de recursos orçamentários

Art. 165 CF 1988

Até 15 de abril

Relatório de Gestão (RAG)

Permitir ao gestor apresentar os resultados alcançados com a execução da PAS e orientar eventuais redirecionamentos que se fizerem necessários no Plano de Saúde

Art. 36 LC n. 141, de 2012

Anualmente até 30 de março

Plano Plurianual (PPA)

Declarar o conjunto das políticas públicas do governo para um período de quatro anos e os caminhos trilhados para viabilizar as metas previstas

Art. 165 CF 1988

Até 30 de agosto

Lei Orçamentária Anual (LOA)

Estimar as receitas e fixar as despesas do governo federal

Art. 165 CF 1988

Até 30 de agosto

Relatório Detalhado do Quadrimestre Anterior (RDQA)

Acompanhar e monitorar a execução da PAS, em que é demonstrada a execução das metas e dos recursos orçamentários e financeiros atualizados na PAS a cada quadrimestre

§ 5° Art. 36 LC n. 141, de 2012

Fevereiro, maio e setembro

Conferência Nacional de Saúde (CNS)

Avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes

§ 1° art. 1 Lei n. 8.142, de 1990

A cada quatro anos ou em período inferior, extraordinariamente

Fonte: Adaptado de Campelo (2016).
Atenção

É importante compreender a diferença entre os três instrumentos.

Uma das confusões frequentes é entre o PS e o PAS. Ambos são instrumentos aplicáveis às três esferas de gestão, mas o PS é o instrumento de planejamento que envolve os quatros anos de gestão; e o PAS é a programação anual das ações e serviços necessários e suficientes para o alcance das metas previstas no PS.

​O  RAG  é fundamental para subsidiar e acompanhar o alcance das metas anuais e quadrienais. Uma das principais dificuldades da gestão é a produção de indicadores fidedignos para o monitoramento do trabalho previsto e dos efeitos esperados. Indicadores de qualidade são fundamentais para a prestação de contas aos órgãos de controle, à sociedade, além de serem indispensáveis para o planejamento estratégico.

considerações finais

Observe que a finalidade dos instrumentos analisados neste tema é subsidiar o planejamento, as iniciativas, o monitoramento e a avaliação das ações consideradas estratégicas para prevenir, controlar e eliminar os problemas de saúde coletiva e dos serviços de saúde prioritários em cada território. A esse conjunto de ações denominamos intervenção, objeto do nosso estudo no próximo tema.